O
grande patrão, o dono da selva, era natural de Santiago, e eu não o
conhecia. Era anunciada e temida sua visita para depois que começasse
o verão. Chamava-se Pepe Rodríguez. Tive informação de que era um
capitalista moderno, dono de teares e de outras fábricas, homem
industrioso, ágil e eletrizante. Além disso era um reacionário
convicto, membro proeminente do partido mais direitista
do Chile. Como eu estava em trânsito por seus domínios sem que ele
o soubesse, esses seus aspectos resultavam positivos para meu
episódio. Ninguém iria me procurar ali. As autoridades civis e
policiais atuavam sempre como vassalos do grande homem de cuja
hospitalidade eu estava gozando. Parecia impossível que eu topasse
com ele alguma vez.
Era
iminente a partida. Estavam por começar as nevadas na cordilheira e
não se brinca com os Andes. O caminho era estudado diariamente por
meus amigos. Caminhos era uma maneira de dizer. Na realidade era uma
exploração através de pegadas que o húmus e a neve tinham
desmanchado faz tempo. A espera fazia-se angustiosa para mim.
Ademais, meus companheiros do lado argentino já estariam à minha
procura.
Quando
tudo parecia pronto, Jorge Bellet, capitão-geral das madeiras, me
disse que havia uma novidade. O grande patrão anunciava sua visita,
comunicou-me contrafeito. Chegaria dentro de dois dias.
Fiquei
desconcertado. Os preparativos não estavam prontos ainda. O mais
perigoso para minha situação, depois de longo trabalho, era que o
proprietário soubesse que eu me refugiara em suas próprias terras.
Sabia-se que era amigo íntimo de meu perseguidor González Videla. E
sabia-se que González Videla tinha posto minha cabeça a prêmio.
Que fazer?
Bellet
foi, desde o primeiro momento, partidário de falar cara a cara com
Rodríguez, o proprietário.
– Conheço-o
muito bem – disse. – É muito homem e jamais te delatará.
Eu
discordava. As instruções do partido eram de segredo absoluto e
Bellet pretendia violar essas instruções. Foi o que lhe disse.
Discutimos acaloradamente. E no transcurso da discussão política
decidimos que eu fosse viver na casa de um cacique mapuche, uma
cabana encravada ao pé mesmo da selva.
Mudei-me
para a cabana e ali minha situação tornou-se muito precária. Tanto
que finalmente, depois de muitas objeções, aceitei encontrar-me com
Pepe Rodríguez, o proprietário da empresa, das serras e dos
bosques. Fixamos um ponto neutro que não fosse sua casa nem a cabana
do cacique. Ao cair da tarde vi avançar um jipe. Dele desceu, junto
a meu amigo Bellet, um homem maduro mas ainda moço, de cabelo
grisalho e rosto enérgico. Suas primeiras palavras foram para
dizer-me que desde esse instante ele assumia a responsabilidade de me
custodiar. Em tais condições ninguém se atreveria a atentar contra
a minha segurança.
Falamos
sem grande cordialidade mas o homem foi me conquistando. Convidei-o,
porque fazia muito frio, para a casa do cacique. Ali continuou nossa
conversa. Por ordem sua apareceram uma garrafa de champanha, outra de
uísque e gelo.
No
quarto copo de uísque discutíamos em altas vozes. O homem era
absolutista de convicções. Dizia coisas interessantes e estava
inteirado de tudo, mas seus apartes insolentes deixavam-me furioso.
Ambos dávamos grandes socos sobre a mesa do cacique até concluir em
santa paz aquela garrafa.
Nossa
amizade continuou por muito tempo. Uma de suas qualidades era a
franqueza irredutível de homem acostumado a ter a faca e o queijo na
mão. Mas também sabia ler minha poesia de forma extraordinária,
com uma entonação tão inteligente e varonil que meus próprios
versos pareciam-me nascer de novo.
Rodríguez
voltou à capital, às suas empresas. Teve um último gesto. Chamou
seus subordinados junto de mim e com característica voz de comando
disse-lhes:
– Se
o senhor Legarreta, de hoje a uma semana, tiver dificuldade para
seguir para a Argentina pelo caminho dos contrabandistas, vocês
abrirão outro caminho que chegue até a fronteira. Parem todos os
trabalhos da madeira e ponham-se todos a abrir esse caminho. Estas
são minhas ordens.
Legarreta
era meu nome nesse momento.
Pepe
Rodríguez, aquele homem autoritário e feudal, morreu dois anos
depois, empobrecido e perseguido. Culparam-no de um vultoso
contrabando. Passou muitos meses na prisão. Deve ter sido um
sofrimento indizível para um temperamento tão arrogante.
Nunca
soube com certeza se era culpado ou inocente do delito de que era
acusado. Soube é que nossa oligarquia, que antes se desmanchava por
um convite do esplêndido Rodríguez, abandonou-o logo que o viu
processado e arrasado.
No
que me diz respeito, continuo a seu lado sem que se possa apagar de
minha memória. Pepe Rodríguez foi para mim um pequeno imperador que
ordenou abrir sessenta quilômetros de caminho na selva virgem para
que um poeta alcançasse a liberdade.
Pablo
Neruda, in Confesso
que vivi
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