quarta-feira, 18 de março de 2020

Maria chorando ao telefone

O telefone toca aqui em casa, atendo, uma voz de mulher estranhíssima pergunta por mim, e antes que eu tome providências para dizer que é minha irmã que fala, ela me diz: é você mesma. O jeito foi eu ficar sendo eu própria. Mas... ela chorava? ou o quê? Pois a voz era claramente de choro contido. “Porque você escreveu dizendo que não ia mais escrever romances.” “Não se preocupe, meu bem, talvez eu escreva mais uns dois ou três, mas é preciso saber parar. Que é que você já leu de mim?” “Quase tudo, só faltam A cidade sitiada e A legião estrangeira.” “Não chore, venha aqui buscar os dois livros.” “Não vou não, vou comprar.” “Você está bobeando, eu estou oferecendo de graça dois livros autografados e mais um cafezinho ou um uísque.” “Então você pode fazer uma coisa por mim — autografe os dois livros e entregue-os ao seu cunhado, dizendo que é para Maria.” “Maria de quê?” “Só Maria.” “Está bem, não chore mais e cuide dessa gripe.” Pois é, meu Deus. Depois, através de meu cunhado, soube que é uma médica (ginecologista) chamada Dra. Maria B. Que depois me mandou as rosas mais lindas do mundo, que eu misturei com as vermelho-sangue mandadas por H. M. Minha casa está linda e perfumada, tenho o prazer de ter feito, com o auxílio dos outros e de minha amiga S. M., um verdadeiro lar para mim e para os meus filhos.
Quanto às rosas de H. M., que me telefonou depois para desejar que eu dormisse bem, vieram com um bilhete muito bonito: “Aqui é a casa de flores. Era só para confirmar que dona Clarice não está viajando. Não, está aqui em casa. Obrigado, disse eu vermelho e mal suportando tanto amor sozinho. (É que acabara de ler A legião estrangeira.) Obrigado, Clarice Lispector. No momento só preciso que você me sobreviva. Obrigado também pela minha convicção quanto ao seu amor por rosas. Agradeço-lhe ainda a certeza que me vem dando de que existo. Tanto que posso me lembrar de você, sem remorso por ter mentido ao telefone. A necessidade de oferecer rosas foi minha mas quero que a alegria seja inteirinha sua.”
Obrigada, H. M. Minha alegria foi tão completa e tenho tanta confiança na sua. Que vou lhe pedir um favor: ando atrás de rosas brancas em botão para dar a uma amiguinha que nasceu há dias e cujo nome é Letícia, o que quer dizer, Alegria. Se você souber onde se encontram, me dê um telefonema, eu agradeço.
Clarice Lispector, in Crônicas para jovens: de escrita e vida

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