Meu
pai sempre dizia que o sofrimento melhora o homem, desenvolvendo seu
espírito e aprimorando sua sensibilidade; ele dava a entender que
quanto maior fosse a dor tanto ainda o sofrimento cumpria sua função
mais nobre; ele parecia acreditar que a resistência de um homem era
inesgotável. Do meu lado, aprendi bem cedo que é difícil
determinar onde acaba nossa resistência, e também muito cedo
aprendi a ver nela o traço mais forte do homem; mas eu achava que,
se da corda de um alaúde — esticada até o limite — se podia
tirar uma nota afinadíssima (supondo-se que não fosse mais que um
arranhado melancólico e estridente), ninguém contudo conseguiria
extrair nota alguma se a mesma fosse distendida até o rompimento.
Era isso pelo menos o que eu pensava até a noite do meu retorno, sem
jamais ter suspeitado antes que se pudesse, de uma corda partida,
arrancar ainda uma nota diferente (o que só vinha confirmar a
possível crença de meu pai de que um homem, mesmo quebrado, não
perdeu ainda sua resistência, embora nada provasse que continuava
ganhando em sensibilidade).
Raduan
Nassar, in Lavoura Arcaica
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