Do baú. Jorge Luis Borges e Benny Goodman morreram ao mesmo tempo, em junho de 1986. Há 19 anos. Na época, imaginei-os esbarrando um no outro, na chegada.
— Perdona-me.
— Sorry.
— Es por aqui?
— Não sei. Também acabei de chegar.
— Borges. Argentina.
— Goodman. Estados Unidos.
— Goodman... Goodman...
— O Rei do Swing.
— Ah!
— E você?
— Bem, eu inventei este labirinto. Modestamente.
— Como, inventou, se eu estou nele?
— É difícil explicar. Escrevi vários livros não explicando exatamente isto. Minha ideia da morte era esta: o último labirinto. Por alguma razão, encontro você aqui. Tem certeza que eu não o inventei também?
— Pouco provável. Judeu? Brooklyn? Tocava clarinete?
— É, acho que não. Às vezes penso que eu inventei tudo. Que a vida foi só uma coisa que eu imaginei. As estrelas, o universo, eu mesmo. Tudo imaginação minha.
— Se você inventou este labirinto, como é que não sabe o caminho?
— Se fosse um caminho, não seria um labirinto. Você tem pouca imaginação, para um rei.
— Pouca imaginação? O que você me diz disto: spiriapau-bupi-pidau-cacapidau-bop!
— O que foi isso?
— Uma frase musical. Inventei na hora. Se eu tivesse o meu clarinete aqui você ia ver imaginação.
— A música sempre me pareceu a forma mais árida de retórica. A literatura é um labirinto sem saída. A música não tem nem entrada. É uma geometria inútil.
— E o tango?
— O tango não é nem literatura nem música. É o contrário.
— A música é um caminho, com começo, meio e fim. E o jazz é um atalho secreto.
— Sempre desconfiei da espontaneidade. Nossas vidas seriam mais suportáveis se as pudéssemos viver só depois da terceira revisão.
— Olha, é melhor ir cada um para um lado. Um de nós encontrará o caminho. Ou você inventará um e eu improvisarei outro.
— Mas você não vê? Não há caminhos. Este é o último labirinto, o que leva sempre ao lugar em que a gente já está. É o que eu chamo de “eternidade”.
— E eu vim cair logo na sua ideia de morte...
— Qual era a sua?
— Sei lá. Algo com o chão vitrificado, cortinas, bem anos 30. Uma banda, algumas garotas...
— Jesus.
— Onde?!
— Não, foi um comentário. Acho que só há uma saída.
— Qual?
— Eu estar imaginando tudo isto.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
Nenhum comentário:
Postar um comentário