quinta-feira, 26 de março de 2020

Jorge e Benny

Do baú. Jorge Luis Borges e Benny Goodman morreram ao mesmo tempo, em junho de 1986. Há 19 anos. Na época, imaginei-os esbarrando um no outro, na chegada.

Perdona-me.

Sorry.

Es por aqui?

Não sei. Também acabei de chegar.

Borges. Argentina.

Goodman. Estados Unidos.

Goodman... Goodman...

O Rei do Swing.

Ah!

E você?

Bem, eu inventei este labirinto. Modestamente.

Como, inventou, se eu estou nele?

É difícil explicar. Escrevi vários livros não explicando exatamente isto. Minha ideia da morte era esta: o último labirinto. Por alguma razão, encontro você aqui. Tem certeza que eu não o inventei também?

Pouco provável. Judeu? Brooklyn? Tocava clarinete?

É, acho que não. Às vezes penso que eu inventei tudo. Que a vida foi só uma coisa que eu imaginei. As estrelas, o universo, eu mesmo. Tudo imaginação minha.

Se você inventou este labirinto, como é que não sabe o caminho?

Se fosse um caminho, não seria um labirinto. Você tem pouca imaginação, para um rei.

Pouca imaginação? O que você me diz disto: spiriapau-bupi-pidau-cacapidau-bop!

O que foi isso?

Uma frase musical. Inventei na hora. Se eu tivesse o meu clarinete aqui você ia ver imaginação.

A música sempre me pareceu a forma mais árida de retórica. A literatura é um labirinto sem saída. A música não tem nem entrada. É uma geometria inútil.

E o tango?

O tango não é nem literatura nem música. É o contrário.

A música é um caminho, com começo, meio e fim. E o jazz é um atalho secreto.

Sempre desconfiei da espontaneidade. Nossas vidas seriam mais suportáveis se as pudéssemos viver só depois da terceira revisão.

Olha, é melhor ir cada um para um lado. Um de nós encontrará o caminho. Ou você inventará um e eu improvisarei outro.

Mas você não vê? Não há caminhos. Este é o último labirinto, o que leva sempre ao lugar em que a gente já está. É o que eu chamo de “eternidade”.

E eu vim cair logo na sua ideia de morte...

Qual era a sua?

Sei lá. Algo com o chão vitrificado, cortinas, bem anos 30. Uma banda, algumas garotas...

Jesus.

Onde?!

Não, foi um comentário. Acho que só há uma saída.

Qual?

Eu estar imaginando tudo isto.

Luís Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses

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