Demonstrando
que as formigas são as verdadeiras rainhas da criação (o leitor
pode tomá-lo como uma hipótese ou uma fantasia: de qualquer maneira
lhe fará bem um pouco de antropofuguismo), eis uma página de sua
geografia: (P. 84 do livro; assinalam-se entre parênteses os
possíveis equivalentes de determinadas expressões, segundo a
clássica interpretação de Gaston Loeb.)
“...mares
paralelos (rios?). A água infinita (um mar?) cresce em certos
momentos como uma hera-hera-hera (ideia de uma parede muito alta, que
expressaria a maré?). Se a gente vai-vai-vai-vai (noção análoga
aplicada à distância) chega à Grande Sombra Verde (um campo
semeado, um mato, um bosque?) onde o Grande Deus eleva o celeiro
contínuo para suas Melhores Operárias. Nesta região abundam os
Imensos Seres Horríveis (homens?) que destroem nossos caminhos. Do
outro lado da Grande Sombra Verde começa o Céu Duro (uma
montanha?). E tudo isso é nosso, mas com ameaças.”
Essa
geografia foi objeto de uma outra interpretação (Dick Fry e Niels
Peterson Jr.). O trecho corresponderia topograficamente a um pequeno
jardim da Rua Laprida, 628, Buenos Aires. Os mares paralelos são
dois pequenos canais de esgoto; a água infinita, um banho para
patos; a Grande Sombra Verde, um canteiro de alface. Os Imensos Seres
Horríveis insinuariam patos ou galinhas, embora não se deva
descartar a possibilidade de que realmente se trate de homens. A
respeito do Céu Duro desenvolve-se uma polêmica que não acabará
tão cedo. A opinião de Fry e Peterson, que veem nele uma parede de
tijolos, opõe-a de Guillermo Sofovich, que presume um bidê
abandonado entre as alfaces.
Júlio
Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas
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