domingo, 15 de março de 2020

A lei da carne


O progresso do filhote foi rápido. Ele descansou dois dias e depois voltou a se aventurar para fora da caverna. Foi nessa aventura que encontrou a doninha filhote cuja mãe tinha ajudado a comer, e cuidou para que o filhote tivesse o mesmo destino da mãe. Mas nesse passeio ele não se perdeu. Quando ficou cansado, encontrou o caminho de volta para a caverna e dormiu. E desde então todo dia o encontrava explorando uma área cada vez mais extensa.
Começou a adquirir uma medição acurada da sua força e da sua fraqueza, a saber quando devia ousar e quando devia ser cauteloso. Achou conveniente ser cauteloso o tempo todo, exceto nos raros momentos em que, seguro da sua própria valentia, entregava-se a pequenas raivas e desejos.
Sempre foi um demônio de fúria, quando encontrava por acaso uma perdiz desgarrada. Nunca deixou de reagir selvagemente ao bater dos dentes do esquilo que encontrara pela primeira vez sobre o pinheiro fulminado. E a visão de um gaio quase invariavelmente o deixava na mais selvagem das raivas, pois nunca esqueceu a bicada no focinho que recebera do primeiro daquela espécie que tinha encontrado.
Mas havia momentos em que até um gaio deixava de impressioná-lo, e esses eram os momentos em que ele próprio se sentia em perigo porque algum outro caçador de carne rondava por perto. Jamais esqueceu o gavião, e a sua sombra em movimento sempre o fazia agachar-se no matagal mais próximo. Já não se escarrapachava nem se estatelava, e estava adquirindo o andar da mãe, sorrateiro e furtivo, aparentemente sem esforço, mas deslizando pelo caminho com uma velocidade que era tão enganosa quanto imperceptível.
Quanto à questão da carne, a sua sorte fora total no início. Os sete filhotes de perdiz e a doninha bebê representavam a soma das suas matanças. O seu desejo de matar aumentava com os dias, e ele nutria ambições famintas de pegar o esquilo que batia os dentes tão loquazmente e sempre informava a todas as criaturas selvagens que o filhote de lobo estava se aproximando. Mas se os pássaros voavam no ar, os esquilos subiam em árvores, e o filhote só podia tentar se arrastar furtivamente para perto do esquilo quando esse estava no chão.
O filhote tinha um grande respeito pela mãe. Ela conseguia carne e nunca deixava de lhe trazer a sua parte. Além disso, ela não tinha medo das coisas. Não lhe ocorria que essa falta de medo era fundada na experiência e no conhecimento. O seu efeito sobre o filhote era de poder. A mãe representava o poder, e quanto mais ele crescia, mais sentia esse poder na repreensão mais forte da sua pata, enquanto a cutucada de reprovação do seu focinho dava lugar à cutilada das presas. Por isso ele também respeitava a mãe. Ela o compelia a obedecer, e quanto mais velho ele ficava, mais curto se tornava o pavio da loba.
Veio mais um período de escassez, e o filhote com uma consciência mais clara conheceu mais uma vez a mordida da fome. A loba emagreceu na busca de carne. Já dormia raramente na caverna, passando a maior parte do tempo na trilha da carne e gastando-o em vão. Essa fome não foi muito longa, mas foi severa enquanto durou. O filhote já não encontrava leite nas tetas da mãe, nem conseguia um bocado de carne para si mesmo.
Antes ele caçara por brincadeira, pela pura alegria do jogo, agora caçava com uma seriedade mortal e nada encontrava. Mas o fracasso acelerava o seu desenvolvimento. Estudou os hábitos do esquilo com maior cuidado, procurando com maior habilidade aproximar-se despercebidamente e surpreendê-lo. Estudou os ratos do mato e tentou desenterrá-los de suas tocas, e aprendeu muito sobre os modos dos gaios e dos pica-paus. E veio o dia em que a sombra do gavião não o compeliu a se agachar entre os arbustos. Ele se tornara mais forte, mais sábio e mais confiante. Além disso, estava desesperado. Por isso sentou-se sobre as ancas, bem visível num espaço aberto, e desafiou o gavião a descer do céu. Sabia que ali, flutuando no azul acima da sua cabeça, estava uma porção de carne, a carne que seu estômago pedia com tanta insistência. Mas o gavião se recusou a descer e travar batalha, e o filhote arrastou-se para um matagal e choramingou o seu desapontamento e a sua fome.
A escassez terminou. A loba trouxe carne para casa. Era uma carne estranha, diferente de todas as outras que já trouxera antes. Era um filhote de lince, parcialmente crescido, como o lobinho, mas não tão grande. E era tudo para ele. A mãe já saciara a sua fome em outro lugar, embora ele não soubesse que fora o resto da ninhada do lince que a satisfizera. Nem imaginava o grau de desespero da sua façanha. Ele só sabia que o pequeno lince de pele de veludo era carne, e ele comia e ficava mais feliz a cada bocado.
Um estômago cheio conduz à inação, e o filhote se deitou na caverna, dormindo contra o lado da mãe. Foi desperto pelo seu rosnado. Nunca a ouvira rosnar de uma forma tão terrível. Talvez tenha sido em toda a sua vida o pior rosnado que a loba deu. Havia razões para isso, e ninguém as conhecia melhor do que ela. Uma toca de lince não é saqueada com impunidade. Em pleno clarão da luz vespertina, agachada na entrada da caverna, o filhote viu a lince mãe. O pelo se eriçou no seu lombo a essa visão. Era o medo, e ele prescindia do instinto para saber disso. E se não bastasse a visão, o grito de raiva que a intrusa deu, começando com um rosnado e aumentando abruptamente para um berro rouco, era por si só bastante convincente.
O filhote sentiu a pontada da vida que havia no seu interior, levantou-se e rosnou valentemente ao lado da mãe. Mas ela o empurrou ignominiosamente para longe e para trás. Por causa da entrada de teto baixo, a lince não podia saltar para dentro da caverna, e quando entrou se arrastando, a loba pulou sobre o animal e cravou-o no chão. O filhote pouco viu da batalha. Houve um tremendo alarido, rosnados, cuspidas e berros. Os dois animais se debatiam, a lince cortando e rasgando com as garras e usando também os dentes, enquanto a loba usava apenas os dentes.
Em certo momento, o filhote pulou no meio da luta e afundou os dentes na pata traseira da lince. Aferrou-se à pata, rosnando selvagemente. Embora não o soubesse, com o peso do seu corpo ele atrapalhava a ação da pata, e com isso poupou muitos danos à mãe. Uma mudança na batalha esmagou-o sob os dois corpos e soltou com um repelão a sua mordida. No momento seguinte, as duas mães se separaram, e, antes de se embolarem de novo, a lince fustigou o filhote com uma enorme pata dianteira que abriu o seu ombro até o osso e o arremessou para o lado contra a parede. Então ao tumulto acrescentou-se o ganido agudo de dor e susto do filhote. Mas a luta foi tão longa que ele teve tempo de chorar amargamente e experimentar uma segunda explosão de coragem, e o final da batalha o encontrou mais uma vez aferrado a uma pata traseira, rosnando furiosamente entre os dentes.
A lince estava morta. Mas a loba estava muito fraca e doente. A princípio ela acariciou o filhote e lambeu o seu ombro machucado, mas o sangue que tinha perdido acabara com as suas forças, e durante todo um dia e toda uma noite ficou deitada ao lado da inimiga morta, sem movimentos, mal e mal respirando. Por uma semana não saiu da caverna, exceto para tomar água, e mesmo então os seus movimentos eram lentos e dolorosos. No final desse período, a lince foi devorada, enquanto as feridas da loba cicatrizavam a ponto de permitir que ela retomasse a trilha da carne.
O ombro do filhote estava rígido e dolorido, e durante algum tempo ele mancou por causa do terrível golpe que recebera. Mas o mundo agora parecia mudado. Ele andava com maior confiança, com um sentimento de bravura que não fora seu nos dias anteriores à batalha com a lince. Contemplara a vida num aspecto mais feroz, lutara, enterrara os dentes na carne de um inimigo e sobrevivera. E, por causa de tudo isso, ele se comportava com mais audácia, com um quê de desafio que lhe era novo. Já não tinha medo de coisas pequenas, e grande parte da sua timidez desapareceu, embora o desconhecido nunca deixasse de pressioná-lo com seus mistérios e terrores, intangíveis e sempre ameaçadores.
Começou a acompanhar a mãe na trilha da carne, viu grande parte da matança e começou a participar das lutas. E, à sua maneira vaga, aprendeu a lei da carne. Havia duas espécies de vida – a sua própria espécie e a outra espécie. A sua espécie incluía a mãe e ele próprio. A outra espécie incluía todas as coisas vivas que se moviam. Mas a outra espécie era dividida. Uma porção era aquela que a sua espécie matava e comia. Essa porção era composta de não matadores e de pequenos matadores. A outra porção matava e comia a sua espécie, ou era morta e comida pela sua espécie. E dessa classificação surgiu a lei. O objetivo da vida era a carne. A própria vida era carne. A vida vivia da vida. Havia os que comiam e os que eram comidos. A lei era: COMER OU SER COMIDO. Ele não formulou a lei em termos claros e estabelecidos, nem moralizou a respeito. Nem sequer pensou sobre a lei, apenas vivia a lei sem pensar sobre ela.
Via a lei funcionando ao seu redor por toda parte. Ele tinha comido os filhotes de perdiz. O gavião comera a perdiz mãe. O gavião também o teria comido. Mais tarde, quando já se tornara maior, ele quis comer o gavião. Tinha comido o filhote de lince. A lince mãe o teria comido, se ela própria não tivesse sido morta e comida. E assim por diante. A lei estava sendo vivida ao seu redor por todas as coisas vivas, e ele próprio fazia parte da lei. Era um matador. A sua única comida era carne, carne viva, que corria rapidamente à sua frente, voava no ar, subia em árvores, escondia-se no chão, enfrentava-o e lutava, ou invertia o jogo e o perseguia.
Se o filhote tivesse pensado à maneira dos homens, poderia ter resumido a vida como um apetite voraz, e o mundo como um lugar onde se encontrava uma multidão de apetites, perseguindo e sendo perseguidos, caçando e sendo caçados, comendo e sendo comidos, tudo em meio a cegueira e confusão, com violência e desordem, um caos de gula e matança, regido pelo acaso, impiedoso, sem desígnios, interminável.
Mas o filhote não pensava à maneira dos homens. Não contemplava as coisas com uma visão ampla. Só tinha um propósito, só alimentava um pensamento e desejo de cada vez. Além da lei da carne, havia uma miríade de outras leis menos importantes que devia aprender e obedecer. O mundo estava cheio de surpresas. O movimento da vida que havia no seu interior, a ação de seus músculos, era uma felicidade inesgotável. Caçar carne era experimentar emoções e alegria. As suas fúrias e batalhas eram prazeres. O próprio terror, o mistério do desconhecido, contribuía para a vida.
E havia alívios e satisfações. Estar de estômago cheio, cochilar preguiçosamente ao sol – essas coisas compensavam plenamente os seus ardores e labutas, enquanto os seus ardores e labutas se compensavam a si próprios. Eram expressões da vida, e a vida sempre é feliz quando se expressa. Assim o filhote não brigava com o seu ambiente hostil. Estava muito vivo, muito feliz e muito orgulhoso de si mesmo.
Jack London, in Caninos Brancos

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