sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Vietato introdurre biciclette

Nos bancos e nas casas de comércio deste mundo ninguém se incomoda a mínima que alguém entre com um repolho debaixo do braço, ou com um tucano, ou soltando da boca como um barbantinho as canções que minha mãe me ensinou, ou trazendo pela mão um chimpanzé com uma camiseta listrada. Mas basta uma pessoa entrar com uma bicicleta para que se produza uma agitação desmedida e o veículo seja expulso com violência para a rua enquanto o proprietário recebe advertências violentas dos empregados da casa.
Para uma bicicleta, ser dócil e de comportamento modesto constitui uma humilhação e um escárnio a presença de cartazes que a fazem parar, altivos, diante das belas portas de vidro da cidade. Sabe-se que as bicicletas procuraram por todos os meios modificar sua triste condição social. Mas absolutamente em todos os países da terra é proibido entrar com bicicletas. Alguns acrescentam: “e cachorros”, o que duplica nas bicicletas e nos cães seu complexo de inferioridade. Um gato, uma lebre, uma tartaruga podem em princípio entrar na casa Bunge & Born ou nos escritórios dos advogados da rua San Martin sem provocar mais do que uma surpresa, grande deslumbramento entre telefonistas ansiosas, ou no máximo uma ordem ao porteiro para que ponha na rua os mencionados animais. Isto pode acontecer mas não é humilhante, primeiro porque só representa uma probabilidade entre muitas, e depois porque nasce como efeito de uma causa e não de uma fria maquinação preestabelecida, horrendamente impressa em chapas de bronze ou de esmalte, tábuas da lei inexorável que esmagam a simples espontaneidade das bicicletas, criaturas inocentes.
De qualquer maneira, cuidado, gerentes! Também as rosas são ingênuas e doces, mas talvez vocês saibam que numa guerra de duas rosas morreram príncipes que eram como raios negros, cegados por pétalas de sangue. Não vá acontecer que as bicicletas amanheçam um dia cobertas de espinhos, que as hastes de seus guidons cresçam e ataquem, que encouraçadas de furor elas arremetam em legião contra as vitrines das companhias de seguros e que o dia aziago se encerre com uma baixa geral de ações, com um luto de vinte e quatro horas, com pêsames mandados em cartões.
Júlio Cortázar, Histórias de Cronópios e de Famas

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