James
Joyce dizia que o leitor ideal é o leitor com insônia. O que sugere
um paradoxo: não adianta ler a noite toda e ficar inteligente, se no
dia seguinte você parecerá um zonzo por falta de sono.
A
regra deveria valer para os leitores ideais dos livros de Joyce. Eu
consegui ler todo o Ulysses (só não me peça para contar),
mas decidi que tinha que escolher entre ler Finnegans Wake e
viver.
O
fato é que já tive muita insônia, e mais tempo do que tenho agora,
e por isso li bastante. Hoje me transformei num leitor de trechos, ou
de notícias e artigos, que, pensando bem, também são trechos desta
grande obra que ninguém sabe como vai terminar, que é a atualidade.
Quando
me perguntam sobre literatura brasileira e internacional, novos
autores, et coetera, e não quero dizer que não leio mais
como lia e por isso sou um abjeto desinformado, digo apenas que tenho
dormido melhor, ultimamente. O que talvez explique esta cara de quem
lê muito, e as perguntas.
A
falta de insônia e de tempo desanima o leitor diante de textos
maiores ou mais exigentes, mas também condiciona quem escreve:
sabemos como um advérbio de modo ou uma firula desnecessária podem
atrasar a vida, e procuramos o texto enxuto, a frase três-em-um (a
que diz no mínimo três coisas com um verbo só) e a concisão.
Sempre
achei que o melhor professor de português do Brasil foi o Pelé.
Quem o viu jogar ou hoje vê os seus teipes sabe que o Pelé jamais
fez uma jogada que não fosse parte de uma progressão para o gol. O
sentido de tudo que o Pelé escrevia com a bola no campo era o gol. O
drible espetacular era apenas circunstancialmente, com perdão do
longo advérbio, espetacular, porque ele existia em função do
objetivo final.
A
lição para escritores é: defina o seu gol e tente chegar lá como
o Pelé chegaria, com poucos mas definitivos toques, sem nunca deixar
que os meios o desviem do fim. E se, no caminho para o gol, você
fizer alguma coisa espetacular, esforce-se para dar a impressão de
que foi apenas por obrigação.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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