Pondo
folhas vermelhas em desassossego, centenas de feiticeiros desceram em
caravana do alto dos galhos, viajando com o vento, chocalhando
amuletos nas suas crinas, urdindo planos escusos com urtigas
auditivas, ostentando um arsenal de espinhos venenosos em conluio
aberto com a natureza tida por maligna; povoaram a atmosfera de
resinas e de unguentos, carregando nossos cheiros primitivos,
esfregando nossos narizes obscenos com o pó dos nossos polens e o
odor dos nossos sebos clandestinos, cavando nossos corpos de um
apetite mórbido e funesto; sentindo duas mãos enormes debaixo dos
meus passos, me recolhi na casa velha da fazenda, fiz dela o meu
refúgio, o esconderijo lúdico da minha insônia e suas dores,
tranquei ali, entre as páginas de um missal, minha libido mais
escura; devolvendo às origens as raízes dos meus pés, me desloquei
entre ratos cinzentos, explorei o silêncio dos corredores, percorri
a madeira que gemia, as rachas nas paredes, janelas arriadas, o
negrume da cozinha, e, inflando minhas narinas para absorver a
atmosfera mais remota da família, ia revivendo os suspiros
esquálidos pendendo dos caibros com as teias de aranha, a história
tranquila debruçada nos parapeitos, uma história mais forte nas
suas vigas; marcando o silêncio úmido daquele poço, só existia um
braço de sol passando sorrateiro por uma fresta do telhado,
acendendo um pequeno lume, poroso e frio, no chão do assoalho;
incidindo em cada canto meu tormento sacro e profano, ia enchendo os
cômodos em abandono com minhas preces, iluminando com meu fogo e
minha fé as sombras esotéricas que fizeram a fama assustada da casa
velha; e enquanto me subiam os gemidos subterrâneos através das
tábuas, eu fui dizendo, como quem ora, ainda incendeio essa madeira,
esses tijolos, essa argamassa, logo fazendo do quarto maior da casa o
celeiro dos meus testículos (que terra mais fecunda, que vagidos,
que rebento mais inquieto irrompendo destas sementes!), vertendo todo
meu sangue nesta senda atávica, descansando em palha o meu feto
renascido, embalando-o na palma, espalhando as pétalas prematuras de
uma rosa branca, eu já corria na minha espera, eu disparava na
embriaguez (que vinho mais lúcido no verso destas minhas
pálpebras!), me pondo a espiar pelas frinchas feito bicho, acenando
com minha presença dentro da casa velha através do espelho dos meus
olhos, o mesmo aço intermitente e espicaçante com que no bosque, ou
nos pastos, transmitíamos à distância os nossos códigos
proibidos: que paixão mais pressentida, que pestilências, que
gritos!
Raduan
Nassar, in Lavoura
Arcaica
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