sábado, 15 de fevereiro de 2020

Arrumação e limpeza

Já foi descrito como o grande Leviatã é avistado ao longe do topo do mastro; como é perseguido sobre as charnecas de água e como é abatido nos vales marinhos; como é rebocado para o costado e degolado; e como (baseado no mesmo princípio que dava ao carrasco as roupas do decapitado) o seu sobretudo forrado se torna propriedade do executor; como, na hora devida, é condenado aos caldeirões, e como Sidrac, Misac e Abdenago, o seu espermacete, óleo e ossos, passam incólumes pelo fogo. Mas ainda falta concluir o último capítulo sobre esta parte da descrição contando – cantando, se possível – o processo romântico de colocar o óleo nos tonéis e levá-los para baixo, para o porão, quando mais uma vez o Leviatã retorna às suas profundezas naturais, deslizando sob a superfície como antes, mas, oh!, para nunca mais subir e soprar.
Ainda quente, o óleo, da mesma forma que o ponche, é colocado em tonéis de seis barris; e, quando o navio é sacudido e jogado de um lado para o outro no mar à meia-noite, os tonéis enormes são jogados e caem de ponta-cabeça, e, às vezes, deslizam perigosamente pelo convés escorregadio, da mesma forma que ocorrem tantos deslizamentos em terra, até que, por fim, são apanhados e detidos na sua corrida; e em volta dos aros, toque, toque, batem tantos martelos quantos possam trabalhar neles, pois nesse momento, ex officio, todos os marinheiros são toneleiros.
Por fim, quando o último quartilho foi colocado no tonel, e tudo está calmo, as grandes escotilhas são abertas, as entranhas do navio ficam escancaradas, e os tonéis descem para o seu descanso final no oceano. Feito isso, as escotilhas são repostas, fechadas hermeticamente, como um gabinete emparedado.
Na pesca de cachalotes, esse talvez seja um dos fatos mais notáveis de toda a pescaria. Num dia, correntes de sangue e de óleo escoam pelas tábuas; no sagrado tombadilho superior, volumes imensos da cabeça da baleia são empilhados de modo profano; enormes tonéis enferrujados ficam espalhados como no pátio de uma cervejaria; a fumaça da refinaria suja a amurada de fuligem; os marujos circulam cobertos de gordura; o navio todo parece o próprio Leviatã, enquanto, por toda parte, o alarido é ensurdecedor.
Mas um ou dois dias mais tarde você olha à sua volta nesse mesmo navio, com os ouvidos bem atentos; e, se não fosse pelos botes e pela refinaria, juraria estar passeando sobre um navio mercante silencioso, com um escrupuloso capitão amante da limpeza. O óleo bruto do cachalote tem uma qualidade detergente singular. Esse é o motivo pelo qual o convés nunca parece mais branco do que logo após a chamada “operação do óleo”. Além disso, das cinzas dos restos queimados da baleia faz-se uma lixívia poderosa, prontamente; e sempre que alguma viscosidade do dorso da baleia fica presa ao costado, a lixívia a extermina. Os marinheiros vão diligentes para a amurada e restauram sua limpeza absoluta com os baldes de água e com os panos. A fuligem é tirada com uma escovada no cordame de baixo. Todos os inúmeros implementos que foram usados também são limpos com cuidado e guardados. A grande escotilha é esfregada e colocada sobre a refinaria, escondendo os caldeirões por completo; todos os tonéis são guardados; todas as talhas são colocadas em cantos não visíveis; e quando, com o trabalho reunido e simultâneo de quase toda a tripulação do navio, essa tarefa meticulosa é levada a cabo, então os marinheiros começam as suas próprias abluções; trocam de roupa dos pés à cabeça; por fim, surgem no convés imaculado, viçosos e incandescentes como noivos recém-saídos da mais delicada Holanda.
Nesse momento, com passos de júbilo, passeiam pelo convés em grupos de dois ou três e conversam alegres sobre salas de visitas, sofás, tapetes e cambraias delicadas; sugerem colocar tapetes no convés; imaginam ter cortinas até o alto; não fazem objeções a tomar chá ao luar, na varanda do castelo de proa. Seria pouco menos do que uma audácia fazer menção a óleo, ossos ou gordura junto a marinheiros tão perfumados. Ignoram essa coisa a que você se refere. Vá e traga-nos guardanapos!
Mas atenção: lá em cima, no topo dos três mastros, há três homens empenhados em procurar mais baleias, que se forem apanhadas voltarão inevitavelmente a sujar a velha mobília de carvalho e deixarão cair pelo menos uma mancha de gordura em algum lugar. Sim, não foram poucas vezes que, depois de um trabalho ininterrupto muito árduo, que não conheceu a noite; contínuo ao longo de noventa e seis horas; depois de saídos do bote com os pulsos inchados de tanto remar o dia todo na linha do Equador – eles pisam no convés apenas para levar as correntes enormes e içar o molinete pesado, e cortar e fatiar, sim, para serem queimados e enfumaçados, sob os seus próprios suores, pelos fogos unidos do sol equatorial e da refinaria equatorial; quando se mexeram, depois disso tudo, por fim, para limpar o navio, e transformá-lo em algo como uma leiteria incólume; não foram poucas vezes que esses pobres coitados, mal tendo abotoado o colarinho das suas vestes limpas, foram alertados pelo grito de “Lá ela sopra!” e correram para lutar contra outra baleia, e passaram por toda aquela coisa cansativa de novo. Oh! Meus amigos, mas isso é de matar! Mas a vida é assim. Pois, nós mortais mal extraímos, com muito trabalho, o escasso porém valioso espermacete do imenso volume desse mundo; e com uma paciência incansável, mal nos limpamos das sujeiras; e aprendemos a viver aqui, nos tabernáculos limpos da alma; mal isso foi levado a cabo, quando – “Lá ela sopra!” – o fantasma torna a se levantar e navegamos para lutar contra um outro mundo, e recomeçamos a velha rotina da nossa juventude outra vez.
Oh! A metempsicose! Oh! Pitágoras, que na Grécia esplêndida, há dois mil anos, morreu tão generoso, tão sábio, tão suave; naveguei contigo pela costa peruana, na última viagem – e, tolo que sou, um rapaz simples e novato, ensinei a ti como se amarra uma corda!
Herman Melville, in Moby Dick

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