sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O locutor esportivo


O locutor esportivo mais festejado em 1929 foi Anselmo Fioravanti, que não entendia de futebol e por isso inventava.
Sua estreia ao microfone gerou uma tempestade de protestos. Os ouvintes exigiam sua dispensa, mas o diretor da estação considerou que muitos outros se pronunciaram encantados com Anselmo, classificado como humorista de primeira água. Foi mantido, e sua atuação despertou sempre o maior sucesso. Jogo narrado por ele era muito mais fascinante do que a verdadeira partida.
Anselmo creditava o gol ao time cujo arco fora vazado. Trocava os nomes dos jogadores, invertia posições e fazia com que o clube derrotado empatasse ou ganhasse, conforme a inspiração do momento. Na verdade, ele não mentia. Apenas, ignorava as regras mais comezinhas do esporte e contava o que lhe parecia estar certo.
Torcedores e agremiações o tinham em alta conta, porque ele mantinha aceso o interesse pelo futebol. Os vencedores de fato não se magoavam com a informação contrária, pois a vitória era inquestionável. E os derrotados consolavam-se com o triunfo imaginário que ele generosamente lhes concedia.
De tanto assistir a jogos, um dia ele narrou corretamente um lance. Houve pênalti e Anselmo anunciou pênalti. Foi a sua desgraça. Nunca mais ninguém lhe prestou ouvidos, e Anselmo terminou os dias como gari em Vila Isabel.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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