sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

O intérprete

Certo homem chamado Loio era ouvido pelos amigos sobre questões que diziam respeito ao interesse comum, e emitia juízos acertados.
O Loio é o nosso líder — diziam eles. — Cabeça fria está ali.
E coração quente — rematavam outros. — Sabe o que se deve fazer e tem um sentimento muito forte de solidariedade.
O que tornava Loio querido e respeitado pela roda é que, no fundo, ele não fazia mais do que descobrir o que cada um desejava e não sabia dizer com clareza. Loio era intérprete.
Seu nome começou a ser apregoado fora do círculo de amigos como o de bom candidato para tudo: dirigente de empresa, senador, defensor público, presidente da Nuclebrás e até da República.
Sondado a respeito dessas possibilidades, Loio abanou a cabeça negativamente:
Nada disso. Os amigos, eu entendo bem o que eles querem e traduzo. Mas é dificílimo entender aquilo com que vocês me acenam. E eu receio que, se chegasse a entender, sairia correndo o resto da minha vida para não me envolver nessas coisas. Com licença, estou ocupado. Até.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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