Monsieur
Verdoux é um filme de 1947, dirigido e estrelado por Charles
Chaplin. A Wikipédia o descreve como filme do gênero “humor
negro”. Humor negro é um gênero de humor que faz uso de
“situações de mau gosto, usualmente de natureza mórbida, para
fazer rir”. Mas, quando o vi, em nenhum momento senti vontade de
rir. Portanto, seu script nada tem de humor. Para mim, ele
está mais próximo da tragédia... Em Portugal, apareceu com o nome
de Barba Azul, que, a meu ver, é um equívoco, porque coloca
na sombra o segundo personagem do filme, que faz contraponto com
Monsieur Verdoux.
Coisa
semelhante os pregadores fizeram com a parábola chamada de “o
filho pródigo”. Mas onde se encontra o segundo irmão, que não
era pródigo? O sentido da parábola vem, precisamente, do
contraponto que acontece entre os dois irmãos. Fazendo silêncio
sobre o segundo filho, a parábola perde completamente o seu sentido.
Chamar o filme de Barba Azul é perder o seu sentido.
Monsieur
Verdoux era um homem casado com uma mulher paralítica, com quem
havia tido uma filha. Sem meios para sustentar esposa e filha a quem
muito amava, ele inventou uma técnica para ganhar dinheiro: viajava
com olhos de caçador, procurava mulheres ricas e solitárias,
envolvia-as numa trama amorosa, convencendo-as a passar seus
investimentos econômicos para ele, matava-as e fazia o corpo
desaparecer. Até aqui, o filme é uma simples repetição da estória
do Barba Azul... Monsieur Verdoux era um assassino amoroso; matava
não por maldade, mas por compaixão.
Mas,
paralelamente à estória de Monsieur Verdoux, corria ao mesmo tempo
uma outra. Era tempo de guerra. Tempo de guerra é tempo de muitas
mortes. Só que as muitas mortes das guerras não são assassinatos,
não são crimes. São atos impostos pelas razões do poder bélico.
Não há culpados. Aqueles que matam muitos são heróis, recebem
condecorações.
Não
estou bem certo acerca dos detalhes que se seguem... Aparece o
segundo personagem da estória: um industrial que se enriquecera com
a fabricação de canhões... Como se sabe, a fabricação, venda e
uso de armas é uma das grandes fontes da riqueza e do progresso das
nações.
Muitos
anos atrás, eu li um livro com o título Report from the Iron
Mountain. Era o fim da guerra fria. O fim da guerra fria trazia
um perigo: um esfriamento no negócio das armas. Pois é claro: sem a
ameaça de guerra, a demanda de armas seria menor. O dito livro
continha um relatório: o governo dos Estados Unidos, preocupado com
o impacto econômico da paz, reuniu vários cientistas e lhes propôs
um problema: “Que rumo deveria tomar a economia norte-americana se
um período de paz viesse para o mundo?”. Os ditos cientistas,
depois de analisar a questão, concluíram: “Um período de paz
teria consequências imprevisíveis, devastadoras, catastróficas,
impensáveis, para a economia norte-americana”. É preciso
reconhecer: a economia dos países ricos depende pesadamente da
produção e venda de armas. É preciso reconhecer: o crime e o
terrorismo são o lado negro, escondido, do progresso econômico.
O
desfecho do filme é a revelação da alma dessas irmãs gêmeas,
política e economia: o fabricante de canhões fica mais rico e é
condecorado. Monsieur Verdoux é descoberto e guilhotinado.
Rubem
Alves,
in
Pimentas: para
provocar um incêndio, não é preciso fogo
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