quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Etiqueta e precedências

Sempre achei que o traço característico de nossa família é o recato. Levamos o pudor a extremos incríveis, tanto em nossa maneira de vestir como na forma de exprimir-nos e de subir nos bondes. Os apelidos, por exemplo, que se distribuem fartamente no bairro de Pacífico, constituem para nós motivo de cautela, de reflexão e até de inquietação. Achamos que não se deve botar um apelido qualquer em alguém que deverá absorvê-lo e agüentá-lo como um atributo durante a vida toda. As senhoras da rua Humboldt chamam seus filhos de Toto, Coco ou Cacho e as meninas de Negra ou Beba, mas em nossa família não existe esse tipo vulgar de apelido e muito menos outros rebuscados ou espalhafatosos como Chirola, Cachuzo ou Matagatos, que abundam para o lado de Paraguay e Godoy Cruz. Como exemplo do cuidado que nós temos com essas coisas, bastará mencionar o caso de minha segunda tia. Visivelmente dotada de um traseiro de dimensões imponentes, jamais teríamos cedido à fácil tentação dos apelidos habituais; assim, em vez de dar-lhe a alcunha brutal de Anfora Etrusca, concordamos com o mais decente e familiar de Bunduda. Sempre procedemos com o mesmo tato, embora nos aconteça ter de discutir com os vizinhos e amigos, que insistem nos apelidos tradicionais. A meu primo segundo, o mais moço, de cabeça notoriamente grande, rejeitamos sempre o apelido de Atlas que lhe botaram no restaurante da esquina, e preferimos o infinitamente mais delicado de Cabeção. E é sempre assim.
Quero deixar claro que não fazemos estas coisas para diferenciar-nos do restante do bairro. Desejaríamos somente modificar gradualmente, e sem ofender os sentimentos de ninguém, as rotinas e as tradições. Não gostamos da vulgaridade em nenhuma de suas formas, e basta que algum de nós ouça na cantina frases como: “Foi um jogo de desenrolar violento”, ou “Os arremates de Faggioli se caracterizaram por um notável trabalho de infiltração preliminar do centromédio”, para que imediatamente ponhamos em circulação formas mais castiças e aconselháveis no caso, tais como: “Foi um sarrafo que só vendo”, ou “Primeiro nós encurralamos eles, depois foi aquela goleada.” As pessoas nos olham surpreendidas, mas nunca falta alguém que aprenda a lição oculta nessas frases delicadas. Meu tio mais velho, que conhece os escritores argentinos, diz que se poderia fazer algo semelhante com muitos deles, mas nunca nos explicou um detalhe. Uma pena.
Julio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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