Aqueles
homens encerrados em muros de silêncio, sobre a terra solitária e
sob o solitário céu, tiveram sempre uma curiosidade política
vital. Queriam saber o que se passava, tanto na Iugoslávia como na
China. Preocupavam-lhes as dificuldades e as mudanças nos países
socialistas, o resultado das grandes greves italianas, os rumores de
guerras e o despontar de revoluções nos lugares mais distantes.
Em
centenas de reuniões, muito longe uma da outra, escutava um pedido
constante: que lesse meus poemas. Muitas vezes pediam pelos títulos.
Naturalmente nunca soube se todos entendiam ou não entendiam alguns
ou muitos dos meus versos. Era difícil determiná-lo naquela
atmosfera de mutismo absoluto, de sagrado respeito com que me
escutavam. Mas que importância tem isso? Eu, que sou um dos tolos
mais instruídos, jamais pude entender vários versos de Hölderlin e
de Mallarmé. E diga-se de passagem que os li com o mesmo sagrado
respeito.
A
comida, quando queria ter ares de festa, era guisado de galinha, ave
rara no pampa. A carne que mais comparecia nos pratos era algo para
mim difícil de levá-lo à boca: o guisado de cobaias ou
porquinhos-da-índia. As circunstâncias faziam um prato favorito
deste animalzinho, nascido para morrer nos laboratórios.
As
camas que me eram destinadas invariavelmente, nas inumeráveis casas
onde dormia, tinham duas características conventuais: lençóis
brancos como a neve e duros à custa de goma, capazes de ficar em pé
sozinhos, e uma dureza de cama equiparável à da terra do deserto,
sem colchão mas apenas com umas tábuas tão lisas quanto
implacáveis.
Assim
dormia como um bem-aventurado. Sem nenhum esforço compartilhava o
sono com a inumerável legião de meus companheiros. O dia era sempre
seco e incandescente como uma brasa mas a noite do deserto estendia
seu frescor sob uma taça primorosamente estrelada.
Minha
poesia e minha vida têm transcorrido como um rio americano, como uma
torrente de águas do Chile, nascidas na profundidade secreta das
montanhas austrais, dirigindo sem cessar até uma saída marinha o
movimento de suas correntes. Minha poesia não rejeitou nada do que
pôde trazer em seu caudal; aceitou a paixão, desenvolveu o mistério
e abriu caminho entre os corações do povo.
Coube
a mim sofrer e lutar, amar e cantar; couberam-me na partilha do mundo
o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e o do sangue. Que mais
quer um poeta? E todas as alternativas, desde o pranto até os
beijos, desde a solidão até o povo, perduram em minha poesia, atuam
nela porque vivi para minha poesia e minha poesia sustentou minhas
lutas. E se muitos prêmios alcancei, prêmios fugazes como mariposas
de pólen fugitivo, alcancei um prêmio maior, um prêmio que muitos
desdenham mas que é na realidade inatingível para muitos. Cheguei
através de uma dura lição de estética e de busca, através dos
labirintos da palavra escrita, a ser poeta de meu povo. Meu prêmio é
esse, não os livros e os poemas traduzidos ou os livros escritos
para descrever ou dissecar minhas palavras. Meu prêmio é esse
momento grave de minha vida quando no fundo da mina de carvão de
Lota, sob o sol a pino da salitreira abrasada, do socavão a pique
subiu um homem como se ascendesse do inferno, com a cara transformada
pelo trabalho terrível, com os olhos avermelhados pelo pó e,
estendendo-me a mão calejada, essa mão que leva o mapa do pampa em
suas calosidades e em suas rugas, disse-me com olhos brilhantes:
“Conhecia-te há muito tempo, irmão.” Esse é o laurel de minha
poesia, o agulheiro no pampa terrível, de onde sai um trabalhador a
quem o vento e a noite e as estrelas do Chile têm dito muitas vezes:
“Não estás só; há um poeta que pensa em teu sofrimento.”
Ingressei
no Partido Comunista do Chile no dia 15 de julho de 1945.
Pablo
Neruda, in Confesso que vivi
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