sábado, 21 de dezembro de 2019

O homem observado

O pardal pousou na janela e ficou espiando o interior do quarto, onde havia muitos livros.
O homem, debruçado sobre a mesa, não percebeu a chegada do pardal. Ao olhar distraidamente na direção da janela, viu o pássaro imóvel e observador.
O homem não se alterou. Prosseguiu no trabalho, que era o de tirar coisas invisíveis da cabeça e colocá-las no papel.
O pardal prestava atenção ao movimento do braço e da cabeça, que às vezes fazia um sinal afirmativo, outras negativo. Também reparou que os lábios dele ora se contraíam, ora esboçavam sorriso.
Nisto se passou bem meia hora. O pardal não tinha pressa, e o homem continuava na sua operação. De repente, o homem pegou do papel onde botava as coisas invisíveis que tirava do cérebro e, com um gesto brusco, fez dele uma bola e atirou-a ao chão.
Diabo desse pardal que não me deixa escrever o que eu quero! — exclamou.
Eu estava achando linda a brincadeira desse homem, e ele me assustou — queixou-se o pardal, batendo em retirada.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

Nenhum comentário:

Postar um comentário