quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O homem que fazia chover

Aquele homem era evitado em sociedade porque, ao chegar à festa, chovia muito, e ao sair caía outro pé-d’água. Nos grandes jantares, a chuva não se interrompia e até, inexplicavelmente, rorejavam pingos na sala, em torno dele.
Não recebendo mais convites, e gostando de reuniões, teve de transferir-se para os restaurantes, mas sua presença continuava a provocar precipitação de água. No fim de certo tempo, os gerentes ligaram uma e outra coisa, e proibiram-lhe a entrada em seus estabelecimentos.
Condenado a comer sozinho em casa, ele sofria de solidão e tentava restabelecer contatos sociais. A muito custo, obteve convite para um ajantarado modesto, no subúrbio, e tudo foi bem até a hora do café. Nesse momento uma nuvem escureceu o ar, e desabou sobre a casa um dilúvio que a mergulhou em verdadeira catarata, jogando-a ao solo como se fosse feita de papel. Morreram todos, inclusive o convidado.
O dr. Maximus Gervasius, que fez a autópsia do promotor de chuva, verificou em seu organismo curiosa anomalia: a existência de um órgão que atuava sobre a atmosfera, em determinadas circunstâncias, provocando aguaceiro. Lamentou que essa propriedade não houvesse merecido a atenção dos poderes públicos, para utilização nas zonas desérticas do país.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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