Rosa
de Sharon cerrou os olhos. A mãe deitou-se de costas e cruzou as
mãos sob a cabeça. Ficou atenta à respiração da avó e à
respiração da filha. Tirou uma mão de sob a cabeça para espantar
uma mosca que pousara em sua fronte. O acampamento estava em silêncio
no calor ardente, e os ruídos na relva quente, o canto dos grilos e
o zum-zum das moscas eram ruídos que caíam bem no silêncio. A mãe
suspirou profundamente e fechou os olhos. Semiadormecida, ela ouviu
passos que se aproximavam, mas somente acordou totalmente quando uma
voz masculina soou alta:
— Quem
é que taí?
A
mãe sentou-se rapidamente. Um homem de rosto moreno surgiu à porta
da tenda e olhou para dentro. Calçava botas, culotes e camisa cáqui
com dragonas. Do cinto de couro largo pendia um revólver no coldre,
e ostentava uma grande estrela de prata no lado esquerdo do peito.
Trazia um boné militar tombado para trás. Tamborilava com os dedos
no pano da tenda e a lona ondeava e vibrava qual um tambor.
— Quem
está aí dentro? — tornou a perguntar.
— Que
é que o senhor deseja? — a mãe perguntou.
— Que
é que a senhora acha que eu posso desejar? Quero saber quem tá aí
dentro.
— Ora,
só nós três. Eu, minha filha e a avó.
— E
onde estão os homens?
— Eles
foram se lavar aí no rio. A gente andou viajando a noite toda.
— Vêm
de onde?
— De
perto de Sallisaw, estado de Oklahoma.
— Bem,
não podem ficar aqui.
— Nós
queremos sair daqui de noite, pra atravessar o deserto.
— É
o melhor que têm a fazer. Se amanhã de manhã ainda estiverem aqui
irão todos pra cadeia, ouviu? Não queremos vocês aqui.
A
mãe corou de raiva. Devagar, ela se pôs em pé e pegou uma
frigideira de ferro.
— Escuta,
moço — disse ela. — O senhor tem uma estrela no peito e um
revólver, mas isso pra mim não serve de nada. Lá, de onde eu
venho, gente assim costuma falar delicado, ouviu? — Ela avançou,
empunhando a frigideira. Ele afrouxou a arma no coldre. — Vá
saindo — disse a mãe. — Sim, senhor! Assustando mulheres. Inda
bem que os homens não estão aqui. Você ia ver! Na minha terra
gente como você tem muito cuidado com a língua.
O
homem deu dois passos para trás.
— Mas
agora você não está na sua terra, tá compreendendo? Está é na
Califórnia, e nós aqui não queremos esses Okies danados que nem
você.
A
mãe estacou, hirta:
— Okies?
— disse ela baixinho. — Okies?
— É,
Okies! E se vocês amanhã ainda tiverem aqui, vão passar mal. Boto
todos na gaiola. — Virou as costas, saiu e foi até a próxima
tenda e bateu na lona com a mão aberta. — Quem taí dentro? —
falou.
A
mãe foi voltando com vagar. Recolocou a frigideira no caixote.
Tornou a sentar-se, lentamente. Rosa de Sharon observava-a
disfarçadamente. E quando viu seus traços alterados, cerrou os
olhos, fingindo adormecer.
John
Steinbeck, in As vinhas da ira
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