Quem
disse foram as Escrituras Sagradas. Elas contam que Deus estava
infeliz. O vazio em que vivia lhe dava tédio. Por isso teve um
sonho. Sonhou com um jardim – pois não há nada que dê mais
alegria que um jardim. Decidiu-se, assim, a plantar um jardim para
ficar alegre. Começou nos confins do vazio, criando as grandes
estrelas, o Sol, a Lua, e foi afunilando, afunilando, até chegar a
um lugar bem pequeno, onde plantou o seu sonho: o Paraíso. Fontes,
árvores frutíferas, flores, pássaros, borboletas, animais de todo
tipo, e até um vento fresco e perfumado que soprava nas tardes.
Cecília Meireles resumiu essa estória num minúsculo poema enorme:
“No mistério do Sem-Fim equilibra-se um planeta./No planeta, um
jardim./ No jardim, um canteiro./E no canteiro, o dia inteiro/ Entre
o mistério do Sem-Fim e o planeta/A asa de uma borboleta...”. Era
o jardim das delícias, destino dos homens, destino do universo, o
destino de Deus! O Paraíso era melhor que o céu. Prova disso é que
Deus passeava pelo jardim ao vento fresco da tarde... Terminado o seu
trabalho de seis dias Deus parou de trabalhar. Entregou-se então
àquilo para que o trabalho havia sido feito: uma deliciosa
vagabundagem contemplativa. Os olhos olharam para o jardim e
experimentaram o êxtase da beleza! “E viu Deus que era muito
bom...” Os olhos de Deus brincavam com o jardim. Nada havia para
ser feito. Havia tudo para ser gozado.
Vejo
as pessoas religiosas fechar os olhos para orar. Elas creem que, para
se ver Deus é preciso não ver o mundo. Elas não sabem que a beleza
da natureza é o espelho onde Deus se contempla. Os versos de Helena
Kolody podiam estar gravados na entrada do Paraíso: “Rezam meus
olhos quando contemplo a beleza”. “A beleza é a sombra de Deus
no mundo.”
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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