Edmund
Wilson era uma raridade nos Estados Unidos, um autêntico e
desavergonhado homem de letras. Os intelectuais americanos sempre
tiveram um certo escrúpulo de parecerem homens cultos. Wilson fez
uma profissão da cultura. Na biografia autorizada da maioria dos
novelistas americanos que ganharam notoriedade nos anos 30, os anos
da primeira grande crise do capitalismo industrial nos Estados
Unidos, há um esforço transparente em dar como credenciais a
experiência mais imediata e proletária possível da crise. Os que
não foram boxeadores ou vagabundos antes de começarem a escrever
foram choferes de caminhão ou lavadores de prato — até um
aprendizado jornalístico era inconfessável, pelo que poderia
sugerir de sofisticação literária —, e para todos “cultura”
era sinônimo de uma sensibilidade inadequada à experiência urbana
do novo mundo, quando não de afetação e bichice. (Hemingway
dedicou a vida a convencer os outros do seu machismo. Nelson Algren
até hoje gosta de ser fotografado fumando charuto e jogando pôquer
com seus amigos marginais.) Wilson, por sua vez, pulou de Princeton,
uma das mais aristocráticas universidades da aristocrática Nova
Inglaterra, diretamente para o mundo enclausurado das pequenas
revistas de crítica e do establishment acadêmico, com
frequentes tours pelas ruínas da alta cultura europeia.
Jamais lavou um prato na vida. Mas, paradoxalmente, foi o primeiro
crítico do seu país a situar as raízes da nova literatura
americana na crise social do seu tempo.
Wilson
compreendeu que os novelistas dos anos 30 procuravam transformar a
violenta experiência da América num fato novo também da
imaginação, enquanto a cultura europeia se exauria tentando
conciliar ideias antigas e nova realidade. O paradoxo de uma
sensibilidade aristocrática revelando aos revolucionários a sua
própria revolução, como Wilson fez com seus contemporâneos
americanos, se explica. Não era a cultura clássica da Europa que
informava a sua perspicácia e sim sua filha bastarda, a tradição
herética que frutificara na revisão marxista. Mas assim como Wilson
explicava, mas não imitava o estilo proletário dos seus
contemporâneos (segundo o crítico George Steiner, Wilson escrevia a
prosa mais elegante da América), também nunca foi um catequizador
marxista. A percepção política era apenas um componente a mais da
sua erudição.
Wilson
limitou sua prosa elegante quase que exclusivamente ao ensaio e à
crítica. Sua obra de ficção mais conhecida — Memories of
Hecate Country — deve sua fama mais ao escândalo do que à
qualidade literária: foi proibida em vários estados da América
devido às suas descrições eróticas explícitas para a época,
tímidas hoje em dia. Nos seus últimos anos, Wilson se notabilizou
pela excentricidade. Andou envolvido com o governo por ter se negado
a pagar seu imposto de renda, alegando que não tinha direito a
nenhuma opinião sobre como o seu tributo seria usado, e, portanto, o
reservava para seu próprio uso. Um de seus últimos livros
publicados é uma elegia à velha casa senhorial na qual se refugiara
da violência americana que tanto excitara sua imaginação na prosa
dos outros, mas que agora só ofendia a sua sensibilidade
aristocrática. Um velho e paradoxal homem de letras.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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