“...
então Grant disse a eles para virem conosco a uma festa maravilhosa,
e, bom, foi fácil assim. Realmente, eu acho que foi genial
trazê-los, Deus sabe que eles são capazes de nos ressuscitar do
túmulo.” A garota que falava bateu a cinza do cigarro no tapete
persa e olhou com cara de desculpa para sua anfitriã.
A
anfitriã arrumou o elegante vestido preto e apertou os lábios,
nervosa. Era muito jovem e pequena e perfeita. Seu rosto era claro e
emoldurado pelo cabelo preto liso, e o batom era um pouquinho escuro
demais. Passava das duas, e ela estava cansada e queria que todos
fossem embora, mas não era tarefa fácil se livrar de umas trinta
pessoas, particularmente quando a maioria estava encharcada do scotch
de seu pai. O ascensorista tinha subido duas vezes para reclamar do
barulho; então ela lhe dera um highball, que de qualquer modo é só
o que ele quer. E agora os marinheiros... ah, eles que se danem.
“Está
tudo bem, Mildred, de verdade. Que são alguns marinheiros a mais ou
a menos? Deus, espero que eles não quebrem nada. Você pode ir à
cozinha pegar gelo, por favor? Vou ver o que posso fazer com seus
novos amigos.”
“Realmente,
querida, não acho que isso seja necessário. Pelo que vi, eles se
aclimatam com muita facilidade.”
A
anfitriã caminhou na direção de seus convidados inesperados. Eles
estavam apinhados num canto da sala de estar, apenas olhando e não
parecendo muito à vontade.
O
mais bem-apessoado do grupo de seis virou nervosamente o boné e
disse: “Nós não sabíamos que era uma festa como esta, senhorita.
Quer dizer, a senhorita não nos quer aqui, não é?”.
“É
claro que vocês são bem-vindos. O que estariam fazendo aqui se eu
não os quisesse?” O marinheiro estava constrangido.
“Aquela
garota, aquela Mildred e o amigo dela nos pegaram num bar, e nós não
tínhamos ideia de que vínhamos para uma casa como esta.”
“Que
absurdo, totalmente absurdo”, disse a anfitriã.
“Você
é do Sul, não é?”
Ele
pôs o boné debaixo do braço e pareceu mais à vontade. “Sou do
Mississippi. Imagino que nunca esteve lá, esteve, senhorita?”
Ela
olhou para a janela e passou a língua nos lábios. Estava cansada,
terrivelmente cansada daquilo. “Ah, sim”, mentiu. “Um belo
estado.”
Ele
deu um sorriso forçado. “A senhorita deve estar confundindo com
algum outro lugar. Não há nada que chame a atenção no
Mississippi, a não ser talvez na região de Natchez.”
“Natchez,
claro. Eu estudei com uma garota de Natchez. Elizabeth Kimberly,
conhece?”
“Não,
não posso dizer que conheço.”
De
repente, ela percebeu que estava sozinha com o marinheiro; todos os
amigos dele tinham ido para perto do piano, onde Les tocava Porter.
Mildred estava certa sobre a aclimatação.
“Venha”,
disse ela. “Vou preparar um drinque para você. Eles podem se virar
sozinhos. Meu nome é Louise, então, por favor, não me chame de
senhorita.”
“O
nome de minha irmã é Louise, eu me chamo Jake.”
“É
mesmo? Que coisa adorável! Eu falo da coincidência.” Ela alisou o
cabelo e sorriu com seus lábios escuros demais.
Entraram
no vestíbulo, e ela sabia que o marinheiro observava o modo como seu
vestido balançava em volta dos quadris. Abaixou-se para passar pela
porta atrás do bar.
“Bem”,
disse, “o que vai ser? Eu esqueci, temos scotch e uísque de
centeio e rum; que tal um belo rum com Coca?”
“Se
você acha bom”, ele sorriu, passando a mão sobre a superfície
espelhada do bar, “sabe, eu nunca vi um lugar como este. Parece
coisa de cinema.”
Com
um bastão misturador ela girou vigorosamente o gelo num copo. “Se
você quiser, eu o levo para um passeio de quatro centavos. É muito
grande, quer dizer, para um apartamento. Temos uma casa de campo que
é muito, muito maior.”
Isso
não pareceu certo. Era muito arrogante. Ela se virou e pôs a
garrafa de rum de volta no nicho. Podia ver pelo espelho que ele
olhava fixamente para ela, talvez através dela.
“Quantos
anos você tem?”, ele perguntou.
Ela
precisou pensar por um minuto, realmente pensar. Mentia com tanta
freqüência sobre a idade que às vezes ela mesma esquecia a
verdade. Que diferença fazia ele saber ou não sua verdadeira idade?
Então ela lhe contou.
“Dezesseis.”
“E
nunca foi beijada...?”
Ela
riu, não do clichê, da resposta que deu.
“Estuprada,
você quer dizer.”
Estava
de frente para ele, e viu que ele ficou chocado e depois alegre e
depois alguma outra coisa.
“Ah,
pelo amor de Deus, não me olhe assim, eu não sou uma menina má.”
Ele corou, e ela passou pela porta, voltando, e pegou a mão dele.
“Venha, vou lhe mostrar o apartamento.”
Conduziu-o
por um longo corredor revestido descontinuamente de espelhos, e
mostrou a ele aposento por aposento. Ele admirava os tapetes macios
em tom pastel e a mistura harmoniosa de móveis modernistas com
móveis de época.
“Este
é o meu quarto”, ela disse, segurando a porta aberta para ele,
“não repare na bagunça, não é toda minha, a maioria das garotas
se arrumou aqui.”
Não
havia nada para ele reparar, o quarto estava em perfeita ordem. A
cama, as mesas, o abajur eram todos brancos, mas as paredes e o
tapete eram de um frio verde-escuro.
“Bem,
Jake... o que acha, combina comigo?”
“Eu
nunca vi nada assim, minha irmã nem acreditaria se eu contasse a
ela... mas eu não gosto das paredes, me desculpe falar assim... esse
verde... elas parecem muito frias.”
Ela
pareceu desnorteada, e, sem saber bem por quê, estendeu a mão e
tocou a parede atrás da penteadeira.
“Você
tem razão, as paredes, quero dizer, elas são frias.” Olhou para
ele, e por um momento seu rosto assumiu uma expressão tal que ele
não soube ao certo se ela ia rir ou chorar.
“Eu
não falei nesse sentido. Ah, eu não sei exatamente o que quis
dizer!”
“Não
sabe ou está só sendo eufemístico?” Não houve resposta, então
ela sentou na beira de sua cama branca.
“Aqui”,
disse, “sente-se e fume um cigarro, o que aconteceu com seu
drinque?”
Ele
sentou ao lado dela. “Eu deixei no bar. Parece bem calmo aqui
depois de toda aquela algazarra lá na frente.”
“Há
quanto tempo está na Marinha?”
“Oito
meses.”
“Você
gosta?”
“Não
importa muito se a gente gosta ou não... Eu vi muitos lugares que
não teria visto se não estivesse lá.”
“Então
por que se alistou?”
“Ah,
eu ia ser convocado, e a Marinha me pareceu mais conveniente.”
“E
é?”
“Bom,
vou dizer uma coisa para você, eu não me dou bem com esse tipo de
vida, não gosto de outros homens mandando em mim. Você gostaria?”
Em
vez de responder, ela pôs um cigarro na boca. Ele segurou o fósforo
para ela, e ela deixou a mão roçar na dele. A mão dele tremia, e a
chama não estava muito firme. Ela tragou e disse: “Você quer me
beijar, não quer?”.
Olhou
atentamente para ele e viu o rubor se espalhar lentamente por seu
rosto.
“Por
que não quer?”
“Você
não é esse tipo de garota. Eu teria medo de beijar uma garota como
você, além disso você só está caçoando de mim.”
Ela
riu e soprou uma nuvem de fumaça em direção ao teto. “Pare, isso
parece coisa tirada de um melodrama do tempo da iluminação a gás.
Aliás, o que é ‘esse tipo de garota’? Só uma ideia. Você me
beijar ou não não tem a mínima importância. Eu poderia explicar,
mas para que me preocupar? Você provavelmente acabaria achando que
eu sou ninfomaníaca.”
“Eu
nem sei o que é isso.”
“Diabos,
é justo isso que quero dizer. Você é um homem, um homem de
verdade, e eu estou tão cansada desses rapazes fracotes e afeminados
como o Les. Eu só queria saber como seria, é isso.”
Ele
se inclinou sobre ela. “Você é uma garota engraçada”, disse, e
ela estava nos seus braços. Beijou-a, deslizou a mão pelo ombro
dela e pressionou seu seio.
Ela
se virou e o empurrou com violência, e ele se estatelou no tapete
verde e frio.
Ela
se levantou e ficou parada diante dele, e eles se encararam. “Seu
sujo”, ela disse. Depois deu um tapa no rosto perplexo dele.
Ela
abriu a porta, hesitou, arrumou o vestido e voltou para a festa. Ele
ficou sentado no chão por um momento, depois se levantou e foi para
o vestíbulo, e então lembrou que tinha deixado o boné no quarto
branco, mas não se importou, só queria sair dali.
A
anfitriã olhou para a sala de estar e acenou para que Mildred
viesse.
“Pelo
amor de Deus, Mildred, tire essas pessoas daqui; aqueles marinheiros,
o que eles pensam que é aqui... a uso?”
“Que
houve, aquele sujeito a estava importunando?”
“Não,
não, ele é só um idiota provinciano que nunca viu nada como isto e
acabou se achando o máximo, de um jeito desrespeitoso. É só um
grande aborrecimento, e eu estou com dor de cabeça. Você pode
mandá-los embora por mim, por favor... todos?”
Ela
assentiu com a cabeça, e a anfitriã voltou pelo corredor e entrou
no quarto da mãe. Deitou na chaise longue de veludo e olhou para a
pintura abstrata de Picasso. Pegou um travesseirinho rendado e o
pressionou contra o rosto com toda a força. Ia dormir ali naquela
noite, ali onde as paredes eram de um tom claro de rosa e quentes.
Truman
Capote, in 20 contos de Truman Capote
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