Em
outubro de 1959, Jean-Paul Sartre passou vários dias no castelo de
John Huston, na Irlanda, para tratar do roteiro sobre Freud que
Huston lhe encomendara. O roteiro, que chegou a ser publicado como
livro, daria um filme de sete horas. E quando Huston pediu para
Sartre reescrevê-lo, ficou ainda mais longo. Por isso conversariam.
Infelizmente, não havia nem uma câmera nem um gravador por perto,
naqueles brumosos dias de outono irlandês. Mas tanto Sartre quanto
Huston escreveram a respeito do encontro. Ou desencontro. Numa carta
mandada do castelo para Simone de Beauvoir, Sartre diz que a Irlanda
parece um país agonizante. Todos emigraram para a América, deixando
para trás uma paisagem “pré-lunar”. E é assim que Sartre
descreve a paisagem interior de “mon boss, le grand Huston”.
Ruínas, casas abandonadas, uma terra desolada com vestígios de
presença humana, mas da qual o homem emigrou. “Não sei para
onde”, escreve Sartre. Huston não é exatamente triste. É vazio,
salvo nos seus momentos de vaidade infantil quando veste seu smoking
vermelho. E é impossível reter sua atenção por mais de cinco
minutos. Um dia, falando sobre Freud, Huston revela a Sartre que no
seu inconsciente não existe nada. “E o tom indicava o sentido
‘mais nada’, nem mesmo velhos desejos inalcançados”, diz
Sartre. “Une grosse lacune.”
Já
Huston escreveria, nas suas memórias, que nunca tinha conhecido
alguém mais teimoso e categórico do que Sartre. “É impossível
conversar com ele. É impossível interrompê-lo. Aconteceu uma vez
que, exausto com o esforço, eu saí da sala por instantes. O som da
voz dele me acompanhou, e quando voltei ele continuava falando. Não
tinha se dado conta da minha ausência.”
Huston
fez seu filme sobre Freud, mas não com o script de Sartre. E
jamais saberemos o que realmente aconteceu dentro daquele castelo
úmido, entre dois ícones irreconciliáveis do século. Une
grosse lacune, sem dúvida.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
Nenhum comentário:
Postar um comentário