sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Antologia de pistolas

O México daquele tempo era mais pistolista do que pistoleiro. Havia um culto ao revólver, um fetichismo da “quarenta e cinco”. As grandes pistolas reluziam constantemente. Os candidatos a parlamentares e os jornais iniciavam campanhas de “despistolização” mas logo compreendiam que era mais fácil extrair um dente de um mexicano do que sua queridíssima arma de fogo.
Certa vez os poetas me homenagearam com um passeio numa barca florida. No lago de Xochimilco juntaram-se quinze ou vinte bardos que me fizeram navegar entre as águas e as flores pelos canais e anfractuosidades daquele estuário destinado a passeios florais desde o tempo dos astecas. A embarcação vai decorada com flores por todos os lados, transbordante de pessoas e cores esplêndidas. As mãos dos mexicanos, como as dos chineses, são incapazes de criar algo feio, seja em pedra, em prata, em barro ou em cravos.
O certo é que um daqueles poetas empenhou-se durante a travessia, depois de numerosas tequilas e para me render uma deferente homenagem, em que eu disparasse para o céu com sua bela pistola, que no cabo ostentava incrustações de prata e ouro. Em seguida o colega mais próximo tirou rapidamente a sua de uma cartucheira e, levado pelo entusiasmo, empurrou para o lado a do primeiro ofertante, convidando-me a fazer os disparos com a arma de sua propriedade. Ao alvoroço acudiram os demais rapsodos, cada um sacou com decisão sua pistola, e todos levantaram-nas ao redor de minha cabeça para que eu elegesse a sua e não a dos outros. Aquele pálio inseguro de pistolas, que se cruzavam diante do meu nariz ou me passavam debaixo dos sovacos, tornava-se cada vez mais ameaçador até que me ocorreu tomar de um grande sombrero típico e recolhê-las todas em seu bojo depois de pedi-las ao batalhão de poetas em nome da poesia e da paz. Todos obedeceram e desse modo consegui confiscar-lhes as armas por vários dias, guardando-as em minha casa. Acho que fui o único poeta em cuja honra se compôs uma antologia de pistolas.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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