Mas
a vida me tirou logo dali. As notícias aterradoras da emigração
espanhola chegavam ao Chile. Mais de quinhentos mil homens e
mulheres, combatentes e civis, tinham cruzado a fronteira francesa.
Na França o governo de León Blum, pressionado pelas forças
reacionárias, acumulou-os em campos de concentração, espalhou-os
em fortalezas e prisões, manteve-os amontoados nas regiões
africanas junto ao Saara.
O
governo do Chile tinha mudado. Os mesmos avatares do povo espanhol
tinham fortalecido as forças populares chilenas e agora tínhamos um
governo progressista.
Esse
governo da frente popular do Chile decidiu me enviar à França para
cumprir a mais nobre missão que exerci em minha vida: a de tirar
espanhóis de suas prisões e enviá-los à minha pátria. Assim
podia minha poesia espalhar-se como uma luz radiante, vinda da
América, entre esses montões de homens carregados como ninguém de
sofrimento e heroísmo. Assim minha poesia chegaria a se confundir
com a ajuda material da América que, ao receber os espanhóis,
pagava uma dívida imemorial.
Quase
inválido, recém-operado, com uma perna engessada – tais eram
minhas condições físicas naquele momento –, saí de meu retiro e
me apresentei ao presidente da república. Dom Pédro Aguirre Cerda
recebeu-me com afeto.
– Sim,
traga-me milhares de espanhóis. Temos trabalho para todos. Traga-me
pescadores. Traga-me bascos, castelhanos, estremenhos.
E
poucos dias depois, ainda engessado, fui à França para buscar
espanhóis para o Chile.
Tinha
um cargo concreto. Era cônsul encarregado da emigração espanhola -
assim dizia a nomeação. Apresentei exultante minhas credenciais à
embaixada do Chile em Paris.
Governo
e situação política não eram os mesmos em minha pátria mas a
embaixada em Paris não tinha mudado. A possibilidade de enviar
espanhóis ao Chile enfurecia os empertigados diplomatas.
Instalaram-me numa sala perto da cozinha, hostilizaram-me de todas as
maneiras até negar-me papel de escrever. Já começava a chegar às
portas do edifício da embaixada a onda dos indesejáveis:
combatentes feridos, juristas e escritores, profissionais que tinham
perdido suas clínicas, operários de todas as especialidades.
Como
conseguiam chegar apesar dos pesares até minha sala e como meu
escritório era no quarto andar, inventaram algo diabólico:
suspenderam o funcionamento do elevador. Muitos dos espanhóis eram
feridos de guerra e sobreviventes do campo africano de concentração
e cortava o coração vê-los subir penosamente ao quarto andar,
enquanto os ferozes funcionários se compraziam com minhas
dificuldades.
Pablo
Neruda, in Confesso que vivi
Nenhum comentário:
Postar um comentário