sábado, 19 de outubro de 2019

“That’s it”

No livro que publicou das suas conversas com Billy Wilder, Cameron Crowe incluiu os dez mandamentos de Wilder para roteiristas de cinema. Coisas como “agarre a platéia pelo pescoço e nunca solte” e “se você está tendo problemas com o terceiro ato, o verdadeiro problema está no primeiro ato”. Mas a lista tem um mandamento a mais. Depois de seguir todas as recomendações de Wilder, o roteirista deve saber exatamente quando acabar o seu filme, e nunca passar do ponto. O décimo primeiro mandamento de Wilder é: “Pronto. Dê o fora.” “That’s it. Don’t hang around”.
Ele não seguiu seu próprio mandamento. Fez seu último filme em 1981, mas não deu o fora. Sua história já estava pronta, mas ele viveu até 2002, bebendo seus martínis de vodca, colecionando seus quadros e, quando procurado por adoradores como Crowe, dando os seus conselhos. Crowe aprendeu algumas das lições de Wilder. Também faz um cinema cínico e sentimental ao mesmo tempo, mas, a julgar pelo seu último, Vanilla Sky, não tem o senso de medida do mestre, que em filmes como Amor na tarde, Quanto mais quente melhor, Se meu apartamento falasse (escritos com I.A.L. Diamond) e Pacto de sangue (escrito com Raymond Chandler) fez algumas das obras mais bem proporcionadas de toda a história da arte popular. Crowe, principalmente, não aprendeu a não passar do ponto.
Wilder nasceu numa cidade polonesa que então pertencia à Áustria, se criou em Viena e fugiu de Berlim aos primeiros latidos de Hitler. É o melhor exemplo da grande mistura que deu a mentalidade “mittel” européia com o dinheiro e as possibilidades de Hollywood. Dos seus tempos de repórter em Viena gostava de contar da vez em que foi posto para fora da casa de Sigmund Freud, não sem antes espiar o seu gabinete e notar como era curto o famoso divã em que “herr Doktor” colocava seus pacientes — e concluir que todas as teorias freudianas eram baseadas na experiência de neuróticos pequenos.
Billy Wilder. E se nada mais tivesse feito, era quem melhor enquadrava a Audrey Hepburn.
Luís Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses

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