terça-feira, 22 de outubro de 2019

Tá tudo em ordem, meu bem?

Ah, que delícia se alguém abrisse a porta da sala, do quarto ou do banheiro e me dissesse solícito: “Tá tudo em ordem, meu bem?”. Há quantos anos isso não acontece comigo! E tô vendo todo mundo esbravejando porque o presidente Itamar tem uma divina assessora que abre todas as portas e diz exatamente isso: “Tá tudo em ordem, meu bem?”. Seja lá quem for essa maravilhosa dona Rute, seria lindo encontrar um duplo dela para senhoras como eu, complexas, muitas vezes prolixas e com tudo em desordem. E ainda que as coisas não se arrumem com essa simples frase, a esperança de que um dia alguém possa arrumá-las já nos dá um grande alívio. “A ideia do suicídio nos alivia de muitas noites más”, disse Nietzsche. E que delícia então ter a ideia de chamar a Rute ao invés de pensar em se matar. No meu caso, eu digo porque o presidente não tem motivos para pensar nisso. A inflação está só vinte e sete por cento ao mês. Alguém em Nova York perguntou ao prefeito Maluf (dias atrás) a quanto estava a inflação no Brasil. Ele respondeu: vinte e seis por cento. O que perguntou: “Ah, isso é muito, vinte e seis por cento ao ano é muito mesmo!”. Os ministros do presidente, os que se foram e os que “estão” ministros, resolveram aderir ao conceito de um Prêmio Nobel: “Só existe um meio seguro de evitar erros: não fazer nada ou ao menos evitar fazer algo novo”. Uma frase digna de um Dalai-Lama. Ou de um iniciado, pelo menos. Há um grande iniciado que todo mundo, no Brasil, devia conhecer ou aderir: padre Bede Griffiths. Ele diz em algum momento: “A divina escuridão… nela, encontramos Deus”. Tá tudo tão escuro por aqui, apesar do ainda verão. Será que é Deus que vem vindo? Outra coisa agora: quem é que vai ser a rainha se aparecer um rei? Não paro de rir atrás das portas com essa ideia de monarquia. Gente!!! Não combina! Já pensou todo o povão gritando: “Viva o rei! Viva a rainha!”. E nós todos desdentados, famélicos apontando os dois: oia o rei, oia a rainha! E se alguém descobrir um dia (como naquela estorinha infantil) que o rei está nu?
Hilda Hilst, Crônica publicada originalmente no jornal Correio Popular em 1993

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