quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Bolsos

Palavras são bolsos. Bolsos são vazios. Porque são vazios podemos colocar coisas dentro deles. Quantas coisas diferentes podem caber num mesmo bolso: um lenço, moedas, chaves, uma carta, balas, uma caixa de fósforos, um livrinho, um canivete, uma fotografia, a mão... Vazio, o bolso é um. Mas ele vale por aquilo que está dentro dele. Assim são as palavras: bolsos. Faz uns dias uma pessoa me perguntou, com uma pitada de ansiedade: “Mas em Deus o senhor acredita, não?”. Sua pergunta revelava o seu medo de que eu fosse ateu. Aí eu disse: “Tenho um bolso-palavra com esse nome. Mas acho que o que tenho dentro do meu bolso não é igual ao que você guarda dentro do seu bolso...”. Aí eu enfiei a mão no meu bolso-palavra-Deus e comecei a mostrar-lhe as coisas bonitas que eu guardava lá dentro. Ela as achou feias. Enfiou a mão dentro do seu bolso-palavra-Deus e começou a me mostrar as coisas lógicas que ela guardava lá dentro. E o seu Deus me pareceu mais com um demônio.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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