Palavras
são bolsos. Bolsos são vazios. Porque são vazios podemos colocar
coisas dentro deles. Quantas coisas diferentes podem caber num mesmo
bolso: um lenço, moedas, chaves, uma carta, balas, uma caixa de
fósforos, um livrinho, um canivete, uma fotografia, a mão... Vazio,
o bolso é um. Mas ele vale por aquilo que está dentro dele. Assim
são as palavras: bolsos. Faz uns dias uma pessoa me perguntou, com
uma pitada de ansiedade: “Mas em Deus o senhor acredita, não?”.
Sua pergunta revelava o seu medo de que eu fosse ateu. Aí eu disse:
“Tenho um bolso-palavra com esse nome. Mas acho que o que tenho
dentro do meu bolso não é igual ao que você guarda dentro do seu
bolso...”. Aí eu enfiei a mão no meu bolso-palavra-Deus e comecei
a mostrar-lhe as coisas bonitas que eu guardava lá dentro. Ela as
achou feias. Enfiou a mão dentro do seu bolso-palavra-Deus e começou
a me mostrar as coisas lógicas que ela guardava lá dentro. E o seu
Deus me pareceu mais com um demônio.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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