segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Histórias para o rei

Nunca podia imaginar que fosse tão agradável a função de contar histórias, para a qual fui nomeado por decreto do rei. A nomeação colheu-me de surpresa, pois jamais exercitara dotes de imaginação, e até me exprimo com certa dificuldade verbal. Mas bastou que o rei confiasse em mim para que as histórias me jorrassem da boca à maneira de água corrente. Nem carecia inventá-las. Inventavam-se a si mesmas.
Este prazer durou seis meses. Um dia, a rainha foi falar ao rei que eu estava exagerando. Contava tantas histórias que não havia tempo para apreciá-las, e mesmo para ouvi-las. O rei, que julgava minha facúndia uma qualidade, passou a considerá-la defeito, e ordenou que eu só contasse meia história por dia, e descansasse aos domingos. Fiquei triste, pois não sabia inventar meia história. Minha insuficiência desagradou, e fui substituído por um mudo, que narra por meio de sinais, e arranca os maiores aplausos.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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