D.
Anselmo voltou ao assunto Ibiratinga com Nando.
— Já
esteve comigo mais duas vezes, depois daquela — disse d. Anselmo. —
Se você não andasse tão abatido e preocupado eu teria feito sua
convocação ontem. Na visita intermediária o major estava
desesperado com o comunismo mas não fez reivindicações de nós.
Ontem tornou-se quase arrogante.
— O
major foi camisa-verde, d. Anselmo, e nunca perdeu os pendores
integralistas.
— Ah,
é assim? — disse d. Anselmo.
— Tomei
umas informações a respeito dele. Tem mesmo a mania do
anticomunismo. Só fala nisso e nas promoções que diz ter perdido
por causa disso. Acha que o próprio Exército tem uma parte minada.
Eu se fosse o senhor tratava o major com cortesia mas sem dar muita
confiança a ele.
D.
Anselmo abriu os braços, num gesto de desalento.
— Mas
o homem é muito bom católico! Vem à missa todos os dias e aos
domingos vem de uniforme completo e condecorações.
D.
Anselmo cofiou a barba, sem saber se devia ou não dizer o que afinal
disse.
— Sabe
que até o olho do major Ibiratinga é verde-oliva, padre Nando?
Nando
sabia que devia perguntar o que é que desejava afinal o major
Ibiratinga. E hoje d. Anselmo parecia disposto a contar.
— E
então o major voltou a fazer a proposta ou o pedido que tanto
indignou o senhor da primeira vez? — disse Nando.
— Sim!
E eu de novo disse a ele: “O que pede, major, é impossível.”
Antes
que Nando pudesse falar e como se alguém — o invisível major, sem
dúvida — tivesse feito alguma objeção, d. Anselmo bradou,
indicador espetando os ares.
— Eu
teria de consultar Roma! — disse d. Anselmo. — E Roma jamais
concordaria.
Nando
esperou.
— Impossível!
Já disse e torno a dizer.
— O
quê? — disse Nando.
D.
Anselmo falou baixo e rouco.
— O
major quer invadir nossos confessionários, padre Nando. Imagine só.
Quer tratar os confessores como recrutas seus.
— Não
estou entendendo bem, d. Anselmo.
— Segundo
o major, o Brasil está à beira da revolução comunista e Moscou é
o Recife. Principalmente a nossa juventude é que está sendo
conquistada pelo comunismo e com isto muito sofrem os pais,
principalmente as mães, e as noivas desses moços.
— E
o major pede que nos confessionários procuremos influenciar e...
— Ah,
se fosse só isto! Isto a Igreja pode, talvez mesmo deva fazer, pois
o comunismo é de fato contra Deus. O major quer conseguir endereços,
planos de subversão, nomes para encaminhar a ele!
— O
pulha — disse Nando. — Isto sim, d. Anselmo, é entrar de
machadinha na base da Cruz. O senhor o repeliu, não?
— Energicamente.
Mas sinto que ele vai insistir. Eu gostaria de ter você presente em
nosso próximo encontro. Para me ajudar. Mas não, não. Deixe.
Primeiro resolva os seus problemas.
— Se
quiser... Estou às ordens, d. Anselmo.
Antonio
Callado, in Quarup
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