quinta-feira, 10 de outubro de 2019

A morte de Monte

Magno Moreira Monte foi morto por uma antena parabólica. Caiu do telhado enquanto tentava fixar a antena. Depois o objeto tombou sobre a sua cabeça. Houve quem visse no acontecimento uma alegoria irônica dos novos tempos. O antigo agente da Segurança de Estado, derradeiro representante de um passado que, em Angola, poucos gostam de recordar, teria sido derrubado pelo futuro; a livre comunicação triunfara sobre o obscurantismo, o silêncio e a censura; o cosmopolitismo esmagara o provincianismo.
Maria Clara gostava de ver as novelas brasileiras. O marido, pelo contrário, pouca atenção prestava à televisão. A futilidade dos programas enraivecia-o. Os noticiários enraiveciam-no ainda mais. Assistia aos jogos de futebol, torcendo pelo Primeiro de Agosto e pelo Benfica. Vez por outra, sentava-se, de pijama e chinelos, a rever algum velho filme a preto e branco. Preferia os livros. Acumulara muitas centenas de títulos. Planeava passar os últimos anos de vida a reler Jorge Amado, Machado de Assis, Clarice Lispector, Luandino Vieira, Ruy Duarte de Carvalho, Julio Cortázar, Gabriel García Márquez.
Quando se mudaram, deixando para trás o ar sujo e ruidoso da capital, Monte esforçou-se por convencer a esposa a prescindir da televisão. Maria Clara concordou. Habituara-se a concordar com ele. Nas primeiras semanas leram juntos. Tudo parecia correr bem. Maria Clara, contudo, entristecia. Demorava-se horas, ao telefone, com as amigas. Monte decidiu então comprar e instalar uma antena parabólica.
A bem dizer, morreu por amor.
José Eduardo Agualusa, in Teoria Geral do Esquecimento

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