Magno
Moreira Monte foi morto por uma antena parabólica. Caiu do telhado
enquanto tentava fixar a antena. Depois o objeto tombou sobre a sua
cabeça. Houve quem visse no acontecimento uma alegoria irônica dos
novos tempos. O antigo agente da Segurança de Estado, derradeiro
representante de um passado que, em Angola, poucos gostam de
recordar, teria sido derrubado pelo futuro; a livre comunicação
triunfara sobre o obscurantismo, o silêncio e a censura; o
cosmopolitismo esmagara o provincianismo.
Maria
Clara gostava de ver as novelas brasileiras. O marido, pelo
contrário, pouca atenção prestava à televisão. A futilidade dos
programas enraivecia-o. Os noticiários enraiveciam-no ainda mais.
Assistia aos jogos de futebol, torcendo pelo Primeiro de Agosto e
pelo Benfica. Vez por outra, sentava-se, de pijama e chinelos, a
rever algum velho filme a preto e branco. Preferia os livros.
Acumulara muitas centenas de títulos. Planeava passar os últimos
anos de vida a reler Jorge Amado, Machado de Assis, Clarice
Lispector, Luandino Vieira, Ruy Duarte de Carvalho, Julio Cortázar,
Gabriel García Márquez.
Quando
se mudaram, deixando para trás o ar sujo e ruidoso da capital, Monte
esforçou-se por convencer a esposa a prescindir da televisão. Maria
Clara concordou. Habituara-se a concordar com ele. Nas primeiras
semanas leram juntos. Tudo parecia correr bem. Maria Clara, contudo,
entristecia. Demorava-se horas, ao telefone, com as amigas. Monte
decidiu então comprar e instalar uma antena parabólica.
A
bem dizer, morreu por amor.
José
Eduardo Agualusa, in Teoria Geral do Esquecimento
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