Numa
série de verrinas firmadas com a assinatura de um coronel do
Exército, membro do Senado brasileiro, e dadas a lume em muitos
números consecutivos do nosso maior órgão de publicidade, se me
atirou à porta um montão de lixo.
Não
me admira a mim que invista de novo comigo a velha croia, a esquálida
rameira dos podres amores dos políticos da terra, a calúnia
impenitente na sua sífilis, gafeira cuja virulência dizem que
requinta no sangue do caboclo.
O
que me custaria a crer, é que, ainda numa época de envilecimento
geral, como esta, possa ocupar a eminência de tais honras a
criatura, cuja honra se estampa nessas vilíssimas diatribes, que
torpezas e asneiras tais saiam, com efeito, de uns punhos largamente
agaloados, ou da venerável cadeira de um senador.
Não
posso acreditar que essas cacaborradas impantes de ódio e
brutalidade sejam daquele mesmo representante do Amazonas, que, no
Senado, onde nos defrontávamos um com o outro, escutou, presente e a
pé quedo, sem me atalhar com um aparte, os meus cinco ou seis
discursos contra o governo atual daquele Estado. Chegavam-me aos
ouvidos, é verdade, as suas ameaças, rosnadas nos corredores. Mas a
sessão legislativa durou ainda meses, sobreveio o meu projeto de
intervenção no Amazonas, deparando-lhe novo ensejo, não menos
azado, para uma desforra solene, e, contudo, as câmaras se
encerraram, sem que o bravo militar ousasse tentá-la.
Tudo
isso que a minha palavra inflamada lhe dizia de frente a frente,
ouviu-o mudo como um canhão encravado. Embatucou todo aquele tempo,
quando podíamos liquidar ali, de rosto a rosto, o assunto. Só agora
é que viria puxar banzé na imprensa? Só depois desta hibernação
de arganaz é que sacudiria, agora, o pelo, sentindo, ao vibrar de
algumas frases numa das minhas conferências recém-publicadas, o
calor, que lhe não chegou às veias com as longas explosões da
minha indignação, lançada às suas faces, durante horas e horas,
de uma para outra cadeira, no estreito hemiciclo do Senado? Esses
estímulos de rixador, insensíveis à pertinácia dos meus
discursos, à sua veemência, ao ataque presencial, à direta audição
do orador, à provocação da sua voz, do seu tom, do seu gesto, só
hoje é que haviam de espertar, à mera inspeção de três ou quatro
linhas acidentarias acerca do Amazonas num vasto estudo sobre as
misérias do hermismo? Ou será que a braveza dos descendentes
parlamentares dos autóctones das margens do rio Negro, amestrados em
política na escola das tartarugas, revista a concha do jabuti, que
não se mexe, quando lhe tomba o pau em cima, até que o estadulho
apodreça nas costas?
Não,
não pode ser. Por mais que me chamem a buscar a solução do
estranho caso nas curiosidades e maravilhas da história natural dos
reptis aplicada à moral das repúblicas, não acabei comigo, até
agora, encabeçar-me de que o ferrabrás dessas grotescas pasquinadas
seja a mesma consumada imagem da surdimudez, que, por tantas sessões,
me escutou, sem tugir, nem mugir, como se um raio o tivesse fulminado
na sua curul, ou uma vareta perdida o atravessasse, ali, dos
gorgomilos ao poisadoiro.
Rui
Barbosa, in Antologia
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