Jack
vendeu os cavalos e tornou a vagabundear, desencorajado mas não
profundamente magoado. Uma noite, jogando cartas em Nevada City, ele
foi até um beco para mijar, e viu um velho índio deitado, meio
amassado contra o muro. Quando Jack se aproximou e se inclinou para
ajudá-lo, notou que o homem fora esfaqueado diversas vezes e estava
à beira da morte. Jack virou-se para procurar ajuda, mas uma mão de
ferro agarrou-o pelo tornozelo.
– Epa,
compadre – disse Jack –, não fui eu quem fez isso aí, não. Tô
indo buscá um médico.
O
índio abanou a cabeça, mas largou seu tornozelo, fazendo sinal para
ele se inclinar. Quando Jack se ajoelhou, o índio enfiou-lhe um
pedaço de papel na mão e falou num sussurro sibilante e
borbulhante, enquanto morria:
– Beba
isso. Sossega. Você vai viver pra sempre.
Jack
abriu o papel dobrado. Era uma receita de uísque.
– Não
parece ter feito muito bem a você, não – disse ao cadáver do
índio.
Mas
algo nos olhos vítreos do morto o tocou e, sem olhar para outra
carta naquela noite, Jack voltou ao quarto de hotel, fez as malas e
foi para casa, para o rancho.
O
uísque o ajudava a ficar quieto. Um gole do Velho Sussurro da Morte
deixava a maioria dos homens de joelhos; dois produziam uma catatonia
levemente alucinatória. A receita era de um destilado que, segundo
Jack calculava, era quase 97% puro, a essência condensada dos
vapores divinos. Ele se devotou a refiná-lo ainda mais. Jack nasceu
durante os tempos da seca nas colinas do Kentucky, fora agraciado,
por herança e sensibilidade, com a maestria nesse ofício e, com
essa maestria veio o início da arte. Nos processos de fermentação
e destilação, encontrou não somente metáforas que lhe satisfaziam
o espírito, mas também um produto que o prolongava.
Viveu
no rancho durante a década e uma seguinte. Entre a produção de 200
litros no celeiro e os afazeres diários da própria subsistência,
passava o tempo livre sentado na varanda, bebericando os frutos da
sua labuta, enquanto dava asa à sua imaginação. Chegou mesmo a
fazer algumas viagens – sempre a pé – para visitar os vizinhos
nas colinas das redondezas. A princípio, o que esperava era trocar
seu uísque por outros prazeres, mas os vizinhos – na maioria
criadores de ovelhas e muitos trabalhadores – não tinham seu gosto
nem sua tolerância por bebidas altamente refinadas, se bem que a
maior parte acabasse encontrando outros usos para o elixir. Usavam-no
como combustível de tratores, como explosivos para toras de árvores
e, diluído v uma gota em meio litro d’água–, no tratamento de
quase tudo o que atacava o rebanho, de disenteria a vermes
pulmonares. Com uma horta malcuidada, algumas galinhas, um pouco de
caça e pesca, e uma renda razoável e regular proveniente dos jogos
de pôquer que oferecia nas noites de sábado, Jake ia vivendo.
Desenvolveu um sentido de suficiência altamente flexível. Quando o
uísque era pouco, sempre conseguia juntar os ingredientes para fazer
mais, e ignorava bonachonamente qualquer coisa que lhe parecesse além
de suas necessidades de satisfação imediata. Conservava-se um homem
de necessidade simples, e isso o ajudava.
Recebeu
uma carta da filha. Ela escreveu pata lhe dizer que estava grávida e
precisava de dinheiro. Mandou-lhe um cartão-postal como resposta:
Querida
Gabe:
Case-se.
Minhas mulheres se deram muito bem e, a não ser que você tenha
ficado mais sem graça que um saco de beterrabas, tenho certeza que
também se daria bem. Prazer ouvir que vou ser vovô. Me dê notícia
do resultado e, se as coisas correrem mal, será bem-vinda por aqui,
apesar de eu achar que você não iria gostar. Não posso ajudá-la
com dinheiro porque não tenho muito.
Seu
pai.
Levou
quase a tarde inteira para escrever o cartão. Com exceção do nome
que assinava nas notas para fichas, era a primeira vez que escrevia
em quase 20 anos. A carta de Gabriela também era a primeira que
recebia nesse mesmo intervalo de tempo ou, pelo menos, a primeira
carta pessoal – havia envelopes do governo, ocasionalmente, mas não
queria nada com eles e não podia pensar em coisa alguma que pudessem
querer dele, portanto os jogava na lareira.
Jim
Dodge, in Fup
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