O
sertão não conhece o mar. O mar não conhece o sertão. Não se
tocam. Não se veem. Não se buscam. Mas há em ambos a mesma
grandeza, a mesma imponência, a mesma inescrutabilidade. Sobre um e
outro se estende esse mesmo enigma das majestades indecifráveis. De
um e outro ressalta a mesma expressão de energia, força e poder a
que se não resiste. Um e outro se nos antolham, do mesmo modo, como
dois reservatórios insondáveis e inesgotáveis de vida.
Ante
um e outro nos sentimos nulos, em todo o acanhamento do nosso nada, e
temos a visão da imensidade, a sensação do infinito, a impregnação
do eterno. É a comoção religiosa, que vibrava entre os primeiros
navegadores, quando, ao avistarem a ourela das praias, onde se franja
o pélago azulado, lhes saía d’alma todo um hino em um só grito:
“O mar!”, “o mar largo!”. Assim me rebentava, há pouco, do
seio, ao dar com os olhos na primeira orladura da região das matas e
das serras este clamor íntimo de alvoroço: “O sertão! o sertão
livre!”.
Não
será livre o sertão? É, senhores, como se fizéssemos estoutra
pergunta: “Não é livre o mar?”.
A
questão, quanto ao mar, não existe, embora a vejamos estabelecida,
a outra luz, em termos, que lhe tornem duvidosa a resposta. As
potências navais contendem pelo domínio das suas armas nas estradas
marítimas. Mas não há tratados, que logrem subjugar o indômito
elemento das vagas. Juntasse embora o orgulho humano todos os seus
monstros de guerra; e todos eles juntos não conseguiriam abaixar o
dorso das águas eternas. Fundisse embora a indústria humana todo o
metal, que se acumula nas entranhas da terra; e todo o ferro do
planeta, minerado e forjado, não daria cadeias bastantes, para
acorrentar a fúria de um maremoto. Cobrissem embora todas as frotas
do mundo com o enxame dos seus navios a superfície inteira das
ondas; e um movimento destas as poderia sepultar nas profundezas do
abismo. Só Deus possui o jugo, a que se curva o oceano.
Mas
se o Criador o mandasse calar; se lhe ordenasse às correntes que
parassem, e, esfriando-lhe as entranhas, lhe comprimisse debaixo da
mão onipotente as ondas remansadas, a vasta massa guardaria na sua
imobilidade a imagem do movimento subitamente paralisado, o aspecto
de uma grandeza adormecida à espera de outro milagre do céu, que a
volvesse ao calor e inconstância de sua existência agitada.
Rui
Barbosa, in Antologia
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