terça-feira, 24 de setembro de 2019

Isla Negra

Pensei entregar-me a meu trabalho literário com mais dedicação e mais força. O contato com a Espanha tinha me fortificado e amadurecido. As horas amargas de minha poesia deviam terminar. O subjetivismo melancólico de meus 20 Poemas de Amor ou a comoção dolorosa de Residencia en la Tierra chegavam ao fim. Pareceu-me encontrar um veio enterrado, não sob as rochas subterrâneas mas sob as folhas dos livros. Pode a poesia servir aos nossos semelhantes? Pode acompanhar as lutas dos homens? Já tinha caminhado bastante pelo terreno do irracional e do negativo. Devia deter-me e buscar o caminho do humanismo, banido da literatura contemporânea mas enraizado profundamente nas aspirações do ser humano.
Comecei a trabalhar em meu Canto general.
Para isto precisava de um lugar de trabalho. Encontrei uma casa de pedra defronte do mar num lugar desconhecido para todo o mundo, chamado Isla Negra. Dom Eladio Sobrino, o proprietário, um velho socialista espanhol, capitão de navio, estava construindo-a para sua família mas quis vender. Como compraria? Ofereci o projeto de meu livro Canto general mas fui rechaçado pela Editora Ercilla, que então publicava minhas obras. Com ajuda de outros editores, que pagaram diretamente ao proprietário, pude finalmente comprar, no ano de 1939, minha casa de trabalho em Isla Negra.
A ideia de um poema central que agrupasse as incidências históricas, as condições geográficas, a vida e as lutas de nossos povos, apresentava-se a mim como uma tarefa urgente. A costa selvagem da Isla Negra, com o tumultuoso movimento oceânico, permitia que eu me entregasse com paixão à empresa de meu novo canto.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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