Como
eu acabava de dizer aquilo, pelo processo ventríloco-cerebral, - o
que era simples opinião e não remorso,- senti que alguém me punha
a mão no ombro. Voltei-me; era um antigo companheiro, oficial de
marinha, jovial, um pouco despejado de maneiras. Ele sorriu
maliciosamente, e disse-me:
Confesso
que este diálogo era uma indiscrição, -principalmente a última
réplica. E com tanto maior prazer o confesso, quanto que as mulheres
é que têm fama de indiscretas, e não quero acabar o livro sem
retificar essa noção do espírito humano. Em pontos de aventura
amorosa, achei homens que sorriam, ou negavam a custo, de um modo
frio, monossilábico, etc, ao passo que as parceiras não davam por
si, e jurariam aos Santos Evangelhos que era tudo uma calúnia. A
razão desta diferença é que a mulher (salva a hipótese do
capítulo 101 e outras) entrega-se por amor, ou seja o amor-paixão
de Stendhal, ou o puramente físico de algumas damas romanas, por
exemplo, ou polinésias, lapônias, cafres, e pode ser que outras
raças civilizadas; mas o homem, - falo do homem de uma sociedade
culta e elegante - o homem conjuga a sua vaidade ao outro sentimento.
Além disso (e refiro-me sempre aos casos defesos), a mulher, quando
ama outro homem, parece-lhe que mente a um dever, e portanto tem de
dissimular com arte maior, tem de refinar a aleivosia; ao passo que o
homem, sentindo-se causa da infração e vencedor de outro homem,
fica legitimamente orgulhoso, e logo passa a outro sentimento menos
ríspido e menos secreto, essa meiga fatuidade, que é a transpiração
luminosa do mérito.
Mas
seja ou não verdadeira a minha explicação, basta-me deixar escrito
nesta página, para uso dos séculos, que a indiscrição das
mulheres é uma burla inventada pelos homens; em amor, pelo menos,
elas são um verdadeiro sepulcro. Perdem-se muita vez por
desastradas, por inquietas, por não saberem resistir aos gestos, aos
olhares; e é por isso que uma grande dama e fino espírito, a rainha
de Navarra, empregou algures esta metáfora para dizer que toda a
aventura amorosa vinha a descobrir-se por força, mais tarde ou mais
cedo: “Não há cachorrinho tão adestrado, que alfim lhe não
ouçamos o latir.”
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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