domingo, 15 de setembro de 2019

Começos

Qual é o melhor começo de filme que você já viu? Lembro de três. Um ficou na história porque foi a primeira vez, salvo desmentido do Goida, que se fez prólogo no cinema. Ou seja, uma sequência inteira antes de aparecerem o título e os créditos. Comandos ingleses desembarcam na África do Norte. Atacam uma fortificação alemã, metralham tudo e todos até serem dizimados também. No final da sequência, um dos comandos, antes de morrer, pergunta a um soldado alemão: “Conseguimos pegá-lo?”. O alemão sorri e faz que “não” com a cabeça. Surge o título do filme: A raposa do deserto. Sobre o indestrutível marechal Rommel. Outro começo antológico é o de Janela indiscreta, de Hitchcock. A câmera passeia por um interior. Numa única tomada, mostrando só objetos e fotos, sem o auxílio de uma palavra na trilha sonora, ela nos diz quem é e o que faz o dono da casa e como foi o seu acidente. No fim da tomada a câmera sobe pela perna engessada de Stewart e, quando enquadra o seu rosto, olhando pela janela, já sabemos tudo que precisamos saber sobre ele e sobre a situação. Não fosse Hitchcock o rei da síntese visual. Mas o melhor começo de todos, para mim, é o de Yojimbo – o guarda-costas (ou é o outro, chamado, se não me falham os neurônios, Sanjuro?). O samurai do Kurosawa vem por uma estrada e chega a uma encruzilhada. Não sabe que caminho escolher. Nisto, por um dos caminhos, surge um cachorro com alguma coisa na boca. Quando chega perto vê-se o que ele tem na boca: é uma mão decepada. O samurai não hesita. Segue pelo caminho por onde veio o cachorro, sabendo que no fim daquela estrada encontrará emprego. Você certamente terá começos melhores. Por favor, não os mande. Morro com estes.
Luís Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses

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