No
inverno de 1957, mais ou menos no momento em que Alice Parkins o viu
correndo totalmente nu, correnteza abaixo, no riacho McKensie,
tentando apanhar um salmão com sua vara de pescar, a maioria das
pessoas na vizinhança começou a achar que Jake era um pouco maluco.
Felizmente para ele, a vizinhança era do tipo que quase havia
desaparecido da vida americana – as pessoas eram amistosas e
respeitadoras, e, contanto que se fosse somente difícil, mas não
perigoso, ninguém se metia na vida de ninguém. Jake, claro, não se
achava maluco, nem mesmo vagamente anormal; como qualquer um que
deixa a mente vaguear por tempo e distância suficientes, de vez em
quando a perdia. Cada vez mais convencido de sua imortalidade
desabrochante, Jake não tinha pressa de encontrá-la. Acreditava ter
tempo de sobra. Via a si mesmo como um castor que avistara alguns
anos antes no Gualala, boiando rio abaixo, deitado de costas, as atas
encolhidas no peito, olhando para o céu profundamente azul,
guiando-se com o rabo, indolente e feliz. Então, no começo da
primavera seguinte, o delegado perturbou o calmo fluxo de sua vida.
Cliff
Hobson era um rapaz do lugar que entrara para a polícia na volta da
Coréia. Considerava seu trabalho um serviço público, ajudando as
pessoas e resolvendo casos. Sabia que Jake produzia algum uísque
muito antes de ir para a Coréia; tinha até experimentado a bebida
uma vez, quando foi entregar ao velho uma pilha de madeira. Tinha
gosto de diesel quando descia pela garganta e, ao atingir o
estômago, era como um golpe de compressão do cilindro de um
bulldozer D-8, uma imagem que sempre se lembraria. Achava que
ninguém jamais iria comprar para consumo humano, não via nela um
problema para a lei, e não achava razão alguma para transformá-la
em um. Cliff gostava do seu trabalho; podia guiar um jipe novinho, de
tração nas quatro rodas, por toda parte, e podia falar no rádio. A
única coisa de que não gostava em seu trabalho era de dar más
notícias. Sabia que Jake não iria gostar.
Jake
não gostou:
– Que
porra de merda é essa?! – guinchou,
amassando os papéis na mão ossuda.
Cliff deu meio passo para trás.
– Isso
significa que se iniciaram os procedimentos para vender sua terra,
por causa de impostos devidos; você nunca pagou impostos, nem sequer
uma vez, é o que diz aqui.
– Eu
comprei o maldito lugar antes
de existir qualquer imposto.
– Os
impostos existem há muito tempo –
resmungou
Cliff –
e
me parece que você tem de pagar ou vão vender este lugar para uma
pessoa que pague.
– Bem,
eu não tenho US$ 70 mil, mas tenho
uma chumbeira
calibre 12 e uma Krag calibre 44, e você pode levar a notícia de
que qualquer um que tentar comprar minha terra ou se apossar dela vai
ter que me matar primeiro, e mesmo assim meu fantasma vai assombrar
os seus traseiros pra valer. Pra
valer,
está me ouvindo?
– Não
vai haver tiroteio nenhum –
disse
Cliff com firmeza.
– Bom,latiu
Jake –,
então
nenhum deles vai ser morto.
Ficaram
nisso.
Quatro
dias depois, no final da visita, o delegado foi embora deixando Jake
em prantos. Gabriela, sua única filha, tinha se afogado.
Foi
a primeira das duas vezes em que Jake largou a bebida. Largou por
três dias, até o fim das cerimônias fúnebres. Quase todos
acreditaram que esse inesperado amansamento fosse um ato de respeito,
e se surpreenderam um pouco com seu comportamento; os que o conheciam
bem sabiam que era um sintoma de luto, e
se aliviaram quando ele voltou a beber. As almas mais bondosas
sentiam que ele queria adotar o neto por ser a coisa mais decente a
ser feita, apesar de intimamente duvidarem que um homem chegando aos
80 pudesse criar uma criança de maneira adequada – de forma alguma
consideraram ser pelo dinheiro. Os mais chegados a Jack tinham
certeza que era pelo dinheiro: uma herança de US$ 500 mil dólares
pagaria um monte de impostos atrasados, restando o bastante para
cobrir seu gosto por apostas altas. De fato, os que participavam
regularmente dos jogos de pôquer nas noites de sábado apostavam na
base de oito a cinco que o menino iria embora em dois anos.
Mas
para Jake
a
coisa era mais complicada do que todas essas opiniões juntas, tão
complicada que nem tentou entender. Em vez disso, seguiu seus
instintos. Quando ouviu os advogados de Gabriela falarem em dinheiro,
uma faísca lhe veio aos olhos; quando, porém, viu o neto pela
primeira vez, uma faísca que veio ao sangue. Via os dois pescando de
tardinha, arremessando a vara no fundão da cachoeira de Tottleman, o
moleque a ganir enquanto uma truta de 30 centímetros de comprimento
dilacerava a minhoca que tentava escapar. Via aniversários e luvas
de beisebol, e uma viagem à cidade de vez em quando para assistir ao
jogo vagabundo
dos Giants; alguém que ele poderia ensinar a jogar cartas, alguém
com quem poderia beber e contar as histórias de sua vida e os
segredos da imortalidade. E, se via os US$ 430 mil dólares numa
conta conjunta, os outros US$ 70 mil tirados para cobrir as despesas
de casa e comida, não deixava que isso o influenciasse
excessivamente.
Jim
Dodge,
in Fup
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