quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Rafael Alberti

A poesia é sempre um ato de paz. O poeta nasce da paz como o pão nasce da farinha.
Os incendiários, os guerreiros, os lobos buscam o poeta para queimá-lo, para matá-lo, para mordê-lo. Um espadachim deixou Pushkin ferido de morte entre as árvores de um parque sombrio. Os cavalos de pólvora galoparam enlouquecidos sobre o corpo sem vida de Petöfi. Lutando contra a guerra morreu Byron na Grécia. Os fascistas espanhóis iniciaram a guerra na Espanha assassinando seu melhor poeta.
Rafael Alberti é algo assim como um sobrevivente. Havia mil mortes dispostas para ele. Uma também em Granada. Outra morte o esperava em Badajoz; em Sevilha, cheia de sol; ou em sua pequena pátria, Cádiz; e Puerto Santa Maria, ali o buscavam para apunhalá-lo, para enforcá-lo, para matar nele uma vez mais a poesia.
Mas a poesia não foi morta, tem as sete vidas do gato. É molestada, é arrastada pela rua, cuspida e escarnecida, confinada para que se afogue, é desterrada, encarcerada, dão-lhe quatro tiros e sai de todos estes episódios com a cara lavada e um sorriso puro.
Conheci Rafael Alberti nas ruas de Madri com camisa azul e gravata vermelha. Conheci-o militante do povo quando não tinha muitos poetas que exercessem esse destino difícil. Ainda não tinham dobrado os sinos pela Espanha mas ele já sabia o que podia vir. Ele é um homem do sul, nasceu junto ao mar sonoro e às adegas de vinho amarelo como topázio. Assim foi feito seu coração: com o fogo das uvas e o rumor da onda. Sempre foi um poeta ainda que no início não o soubesse. Depois todos os espanhóis o souberam e, mais tarde, todo o mundo.
Para nós que temos a sorte de falar e conhecer a língua de Castilla, Rafael Alberti significa o esplendor da poesia na língua espanhola. Não só é um poeta inato mas um mestre da forma. Sim poesia tem, como uma rosa vermelha milagrosamente desabrochada no inverno, um copo de neve de Góngora, uma raiz de Jorge Manrique, uma pétala de Garcilaso, um aroma enlutado de Gustavo Adolfo Becquer. O que quer dizer que em sua taça cristalina confundem-se os cantos essenciais da Espanha.
Esta rosa vermelha iluminou o caminho dos que na Espanha pretenderam deter o fascismo. O mundo conhece esta heróica e trágica história. Alberti não só escreveu sonetos épicos, não só os leu nos quartéis e no front como foi quem inventou a guerrilha poética, a guerra poética contra a guerra. Inventou as canções que criaram asas sob o estampido da artilharia, canções que depois vão voando sobre toda a terra.
Este poeta de puríssima estirpe ensinou a utilidade pública da poesia num momento crítico do mundo. Nisso se assemelha a Maiakovski. Esta utilidade pública da poesia se baseia na força, na ternura, na alegria e na essência verdadeira. Sem esta qualidade a poesia soa mas não canta. Alberti canta sempre.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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