Estágio
1 — O mundo comum
Toda abertura de história, seja ela um
mito, um conto, um roteiro ou um romance, tem que conter certa força,
certa carga. Tem que agarrar o leitor ou telespectador; é no início
que se dá o tom da história, onde se sugere para onde se vai, além
de se transmitir muitas informações sem que se perca o ritmo.
Vogler afirma — e isso, quem escreve sabe — que os
começos são realmente bastante delicados.
Um título pode ser uma boa pista para
anunciar a natureza da história e a atitude do escritor. Um bom
título pode virar uma metáfora de vários níveis para o herói ou
para seu mundo.
A maioria das histórias são viagens que
transportam os heróis e plateias para mundos especiais, assim sendo,
a maioria delas se inicia estabelecendo um mundo comum como base para
comparação.
O mundo especial de qualquer história,
afirma Vogler, só é especial se houver a possibilidade de ser
contrastado a um outro, cotidiano e “normal”, com as questões
corriqueiras, das quais o herói será retirado.
O mundo comum é o contexto, a base, o
passado do personagem protagonista.
Comparado com o especial, o mundo comum
pode se apresentar chato ou calmo, mas geralmente as sementes das
emoções e dos desafios já se encontram nele. Os problemas e os
conflitos do herói já estão presentes no mundo comum, mas só
estão esperando ser ativados.
Outra grande função do mundo comum,
segundo Vogler, é sugerir a questão dramática da narrativa. Toda
boa história suscita uma série de questões sobre o herói. “Será
que ele vai atingir seu objetivo?”, “Superar seu defeito?”,
“Aprender a lição que precisa?”
Todo herói necessita de um problema
interno e outro externo.
Personagens que não têm problemas
internos podem parecer superficiais, não importa o quão heroico
sejam. Para evitar isso, é necessário que esses personagens tenham
um problema íntimo, uma falha de personalidade, ou mesmo um dilema
moral, para que ele seja mais interessante e intrigante frente ao
leitor ou telespectador.
Os heróis precisam aprender algo no
decorrer da história, seja conviver com os outros, como acreditar em
si mesmos, ou enxergar além das aparências.
Vogler crava que o público adora quando
um personagem aprende, cresce e enfrenta os desafios internos e
externos da vida.
Na tarefa de escritores, podemos criar,
para nossos personagens, uma boa entrada em cena. O que os
personagens estarão, dizendo, sentindo? Qual o contexto nesse
momento? Eles estão em paz, ou atormentados? Estão eles no auge de
sua capacidade emocional ou se segurando para não explodir?
Para Vogler, um dos mágicos poderes da
escrita é a capacidade de seduzir cada leitor, para que cada um
projete uma parte de seu ego no personagem que se encontra na página.
Ele incentiva a criação de
identificação, dando ao herói objetivos, impulsos, desejos e
necessidades universais. Todos são capazes de se relacionar com
impulsos fundamentais, como necessidade de reconhecimento, afeição,
aceitação ou compreensão.
A identificação com necessidades
universais estabelece um vínculo entre plateia e herói.
Os heróis de contos de fadas têm algo
em comum, uma qualidade que os une acima das fronteiras de cultura,
geografia e tempo: têm carência de algo que lhes foi tirado, algo
perdido, e que se necessita urgente ter de volta.
Por vezes, a vida externa do herói pode
ser completa, mas lhe falta alguma coisa na personalidade, uma
qualidade, como a compaixão, a capacidade de perdoar ou de
manifestar amor.
A tragédia grega, teorizada por
Aristóteles há mais de 2 mil anos, descreve um erro comum dos
heróis trágicos: eles podem ter muitas qualidades dignas de
admiração, mas, no meio delas, há uma falha trágica, que os
coloca em confronto direto com o seu destino pessoal, com outros
homens, e com os deuses. Isso acaba por levá-los à destruição.
Vogler afirma que todo herói bem
construído e “redondo” tem em si vestígios dessa falha trágica,
alguma fraqueza ou defeito que o faz completamente humano e real
frente aos que o leem ou assistem.
Os heróis perfeitos ou muito “limpos”
não são muito interessantes, e é difícil se relacionar com eles.
Até mesmo o Super-Homem tem seus pontos
fracos que o humanizam e o tornam simpático, como a sua
vulnerabilidade à kryptonita, a incapacidade de enxergar através do
chumbo, e a sua identidade secreta, a toda hora sendo ameaçada.
Vogler afirma que, para se poder
humanizar um herói, dê a ele uma ferida, um machucado visível e
físico, ou um ferimento profundo e emotivo.
A ferida ajuda a dar ao personagem um
sentido de história pessoal e de realismo, sendo que todos nós
trazemos cicatrizes de dores passadas, rejeições, desapontamentos,
abandonos e fracassos.
Muitas narrativas têm como tema a
jornada que se percorre com o intuito de curar uma ferida e restaurar
a peça que faltava num psiquismo deficiente.
O tema da história é uma
afirmativa, uma certeza sobre um aspecto da vida.
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