sexta-feira, 9 de agosto de 2019

O pomo de ouro do eterno desejo

Martin estava a meu lado no seu banco e recuperava-se lentamente da decepção.
Escute — disse ele —, sua estudante de medicina é mesmo de primeira ordem?
Já disse, é do tipo da sua Georgina.
Martin me fez outras perguntas. Foi preciso que eu descrevesse mais uma vez a estudante de medicina.
Quem sabe, depois, você pode passá-la para mim — disse ele.
Quis parecer verdadeiro. — Receio que seja difícil. Iria incomodá-la o fato de você ser meu amigo. Ela tem princípios...
Ela tem princípios — repetiu Martin tristemente, e vi que ele deplorava esse fato.
Não quis atormentá-lo.
A menos que eu faça de conta que não o conheço — disse eu. — Você poderia, por exemplo, se fazer passar por outra pessoa.
Boa ideia! Por exemplo, me fazer passar por Forman, como hoje.
Os cineastas não lhe interessam. Ela prefere os esportistas.
Por que não? — disse Martin. — Tudo é possível — e estávamos novamente em plena discussão. O plano se definia de minuto em minuto, em breve iria balançar sobre nossas cabeças, na tarde que começava a cair, como um belo pomo maduro e radioso.
Permitam-me que chame a esse pomo, com certa ênfase, o pomo de ouro do eterno desejo.
Milan Kundera, in Risíveis Amores

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