sexta-feira, 19 de julho de 2019

História triste

Outro dia, meu amigo, o escritor Otto Lara Resende, estava mineirando ali na esquina de México com Pedro Lessa, quando lhe veio a vontade de tomar um “sustincau”. Não sei bem o que seja um “sustincau”, mas pela descrição que me fez Otto, creio tratar-se de um híbrido de “toddy” com picolé. Disse-me ele ser coisa de sustância e eu acreditei piamente. Ao que parece, existe uma carrocinha do produto no local indicado, e tanto ele como Paulo Mendes Campos são fregueses da estranha beberagem; ou chuparagem - não sei ao certo.
Sei de uma coisa: que Otto estava por ali manipulando um “sustincau”, quando viu chegar uma família - pai pobre e doentio, mãe ainda moça, desgastada e sem brilho, e filhinha anêmica, de rostinho chupado. Uma família brasileira típica, poderíamos dizer. A menininha, ao ver o Otto sorvendo o “sustincau”, precipitou-se para a carrocinha gritando que também queria um: “um igual ao daquele moço”.
Os pais chegaram-se contrafeitos.
O Otto, que nada perdia da cena, nem do “sustincau”, viu o pai perguntar quanto era, depois convocar a mulher e os dois confabularem, com o resultado de ela dizer-lhe que só havia para a passagem de volta. Tinham vindo ao IPASE para exame médico e trazido o justo necessário. Chamaram a menininha e tentaram explicar-lhe, sem dizer a razão exata porque, naturalmente, eram gente de brio e Otto estava por perto, urubusservando. Mas a menininha tinha água na boca:
- Ah, me dá um, papai! Um igual ao do moço!
- É muito gelado, filhinha! Faz mal...
- Ah, me dá um, papai! O homem da carrocinha, que não estava seguindo a história, mas ouvira as últimas frases, interveio:
- Tem sem ser gelado, s'or!
O casal se entreolhou. Diz Otto que o encabulamento do homem era total. Ele foi para um canto com a mulher e os dois puseram-se a esgravatar na bolsa. Mas só havia cascalho.
- Não pode ser, não, filhinha!
A mulher, nervosa, chegou-se para a menininha:
- Pare de pedir coisas, ouviu? Que menina! Tem os olhos maiores que o estômago. Vam'embora! E não quero ouvir nem mais uma palavra!
Os olhos tristes da garota lambiam o “sustincau” do Otto. Ela suspirou, fazendo beicinho - e foi aí que o próprio Otto, meio contrafeito, dirigiu-se ao pai.
- Pode deixar ela tomar um.
A menininha precipitou-se para a carrocinha. O homem, de olhos baixos, agradeceu, no auge da vergonha. Diz Otto que engrolou umas palavras e meteu o pé.
Bom Otto. Se houvesse céu, ele já estava com o seu lugar garantido.
Não é bem o que o ministro da Justiça chama, com uma tal vernaculidade, de “menoridade desvalida”; mas que é uma menoridade um bocado pinimbada, sem nem um tostãozinho para tomar um “sustincau”, ah, isso é!
Vinicius de Moraes, in Prosa

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