Outro
dia, meu amigo, o escritor Otto Lara Resende, estava mineirando ali
na esquina de México com Pedro Lessa, quando lhe veio a vontade de
tomar um “sustincau”. Não sei bem o que seja um “sustincau”,
mas pela descrição que me fez Otto, creio tratar-se de um híbrido
de “toddy” com picolé. Disse-me ele ser coisa de sustância e eu
acreditei piamente. Ao que parece, existe uma carrocinha do produto
no local indicado, e tanto ele como Paulo Mendes Campos são
fregueses da estranha beberagem; ou chuparagem - não sei ao certo.
Sei
de uma coisa: que Otto estava por ali manipulando um “sustincau”,
quando viu chegar uma família - pai pobre e doentio, mãe ainda
moça, desgastada e sem brilho, e filhinha anêmica, de rostinho
chupado. Uma família brasileira típica, poderíamos dizer. A
menininha, ao ver o Otto sorvendo o “sustincau”, precipitou-se
para a carrocinha gritando que também queria um: “um igual ao
daquele moço”.
Os
pais chegaram-se contrafeitos.
O
Otto, que nada perdia da cena, nem do “sustincau”, viu o pai
perguntar quanto era, depois convocar a mulher e os dois
confabularem, com o resultado de ela dizer-lhe que só havia para a
passagem de volta. Tinham vindo ao IPASE para exame médico e trazido
o justo necessário. Chamaram a menininha e tentaram explicar-lhe,
sem dizer a razão exata porque, naturalmente, eram gente de brio e
Otto estava por perto, urubusservando. Mas a menininha tinha água na
boca:
-
Ah, me dá um, papai! Um igual ao do moço!
-
É muito gelado, filhinha! Faz mal...
-
Ah, me dá um, papai! O homem da carrocinha, que não estava seguindo
a história, mas ouvira as últimas frases, interveio:
-
Tem sem ser gelado, s'or!
O
casal se entreolhou. Diz Otto que o encabulamento do homem era total.
Ele foi para um canto com a mulher e os dois puseram-se a esgravatar
na bolsa. Mas só havia cascalho.
-
Não pode ser, não, filhinha!
A
mulher, nervosa, chegou-se para a menininha:
-
Pare de pedir coisas, ouviu? Que menina! Tem os olhos maiores que o
estômago. Vam'embora! E não quero ouvir nem mais uma palavra!
Os
olhos tristes da garota lambiam o “sustincau” do Otto. Ela
suspirou, fazendo beicinho - e foi aí que o próprio Otto, meio
contrafeito, dirigiu-se ao pai.
-
Pode deixar ela tomar um.
A
menininha precipitou-se para a carrocinha. O homem, de olhos baixos,
agradeceu, no auge da vergonha. Diz Otto que engrolou umas palavras e
meteu o pé.
Bom
Otto. Se houvesse céu, ele já estava com o seu lugar garantido.
Não
é bem o que o ministro da Justiça chama, com uma tal vernaculidade,
de “menoridade desvalida”; mas que é uma menoridade um bocado
pinimbada, sem nem um tostãozinho para tomar um “sustincau”, ah,
isso é!
Vinicius
de Moraes, in Prosa
Nenhum comentário:
Postar um comentário