Fiquei
tão triste com o fim do último capítulo que estava capaz de não
escrever este, descansar um pouco, purgar o espírito da melancolia
que a empacha, e continuar depois. Mas não, não quero perder tempo.
A
partida de Virgília deu-me uma amostra da viuvez. Nos primeiros dias
meti-me em casa, a fisgar moscas, como Domiciano, se não mente o
Suetônio, mas a fisgá-las de um modo particular: com os olhos.
Fisgava-as uma a uma, no fundo de uma sala grande, estirado na rede
com um livro aberto entre as mãos. Era tudo: saudades, ambições,
um pouco de tédio, e muito devaneio solto. Meu tio cônego morreu
nesse intervalo; item, dois primos; e eu não me dei por abalado;
levei-os ao cemitério, como quem leva dinheiro a um banco. Que digo?
como quem leva cartas ao correio: selei as cartas, meti-as na
caixinha, e deixei ao carteiro o cuidado de as entregar em mão
própria. Foi também por esse tempo que nasceu minha sobrinha
Venância, filha do Cotrim. Morriam uns, nasciam outros: eu
continuava às moscas.
Outras
vezes agitava-me. Ia às gavetas, entomava as cartas antigas, dos
amigos, dos parentes, das namoradas (até as de Marcela), e abria-as
todas, li-as uma a uma, e recompunha o pretérito... Leitor ignaro,
se não guardas as cartas da juventude, não conhecerás um dia a
filosofia das folhas velhas, não gostarás o prazer de ver-te, ao
longe, na penumbra, com um chapéu de três bicos, botas de sete
léguas e longas barbas assírias, a bailar ao som de uma gaita
anacreôntica. Guarda as tuas cartas da juventude!
Ou,
se te não apraz o chapéu de três bicos, empregarei a locução de
um velho marujo, familiar da casa de Cotrim; direi que, se guardares
as cartas da juventude, acharás ocasião de “cantar uma saudade”.
Parece que os nossos marujos dão este nome às cantigas de terra,
entoadas no alto-mar. Como expressão poética, é o que se pode
exigir mais triste.
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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