Ele
me esperava à saída do baile. Parado na esquina, retocou as pontas
da gravata borboleta e, ainda de longe, magrinho, idade incerta,
sorria para mim.
— Boa
noite.
— Boa
noite, senhor.
Andando
a meu lado, disse que me viu dançar com a loira. Ele a achava linda,
com sua boca pintada. Respondi que a odiava. Ele disse que sofreu
muito com as mulheres — um puxão raivoso na gravatinha azul. Da
própria mulher, casado e com filho, não queria saber.
Falava
tanto e tão depressa, a voz pastosa de saliva. Acendi um cigarro —
não é que os dedos tremiam? Perguntou se ela me provocara, mas não
respondi. Compreendia muito bem, a mulher sem piedade enlouquece um
pobre moço. Capaz de matar a loira de olho pérfido.
— Ainda
bem não tenho olho verde!
Piscou
um olho de cada vez. Eu não sabia nada do mundo, ele disse, a cada
palavra a voz mais rouca. Intrigava gentilmente os plátanos, a
loira, a própria lua no céu, uma baba de lesma no dente de
ouro..-Não falava da loira, de mim ou dele — e como se eu soubesse
de quem.
Perto
da igreja o guincho aflito dos morcegos.
Ele
perguntou as horas. Eu não tinha relógio. Parados na esquina,
injuriou ainda mais a loira, que tinha boca pintada, promessa de
delícias loucas, mas; seu olhar era frio, seu loiro coração era
amargo. Sabia de outras bocas, a sua, por exemplo, rainha do maior
gozo. Molhou o lábio com a ponta da língua vermelha — no canto a
espuma do agonizante. Se eu nunca o vira, havia muito que esperava.
Tudo sabia de mim, quem eu era: “A um menino bonito oferecia o
trono do mundo”. Até dinheiro, ele disse, tesouros que eu não
ganhava de nenhuma loira.
Protestei
que ela não merecia ódio, moça de boa família.
Olhou
o relógio no pulso: três horas da manhã.
— Boa
noite, senhor.
Sem
responder, subiu as mãos trêmulas ao nó de minha gravata — dois
ratos de focinhos quentes e úmidos.
— Tem
cabelo no peito!
Na
ponta dos dedos o cuidado reverente de quem consagra o cálice.
— Ora,
quem não...
Seus
olhos se abriam para a lua, eu podia jurar - que verdes.
— Como
é forte!
Meus
Deus, aquele riso... Gritinhos de morcego velho e cego. Falando do
vento que anunciava chuva, ensaiou um gesto — o gesto da loira! —,
a ponta da língua se mexia igual a um papel debaixo da porta.
— Não
tem medo?
Um
gato saltou do muro. Espiei do gato para o homem e a rua deserta:
ajoelhado aos pés da lua. Gotas de chuva estalavam nas folhas como
passos de criança perdida.
— Boa
noite, boa noite, boa noite.
Chorava
o dente de ouro, as lágrimas riscavam as velhas rugas. Escondeu-as
na mão — o relógio faiscando no pulso.
— O
meu presente?
Ele
olhou o relógio:
— De
estimação. Lembrança de minha mãe.
As
folhas úmidas brilhavam na calçada. Todas as árvores pingavam a
duas portas de casa. — Melhor que... Não ficava bem dar senhorio.
— ...
volte daqui.
Quis
me pegar na mão e guardei-a no bolso.
— Mais
um pouco — ele pediu.
Todas
as árvores gotejavam. Ali na porta de casa — o relógio na palma
da mão. Ele me perguntou as horas.
Dalton
Trevisan, in Novelas nada exemplares
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