sexta-feira, 26 de julho de 2019

Alancear

Para fazê-los correr com facilidade e agilidade, os eixos das carruagens são lubrificados; e com o mesmo propósito alguns baleeiros fazem uma operação análoga em seus botes: engraxam o casco. Tampouco se deve duvidar de que tal procedimento, uma vez que não causa dano algum, possa trazer alguma vantagem significativa; considerando-se que o óleo e a água são incompatíveis, e que o óleo é escorregadio, e que o objetivo é fazer o bote deslizar com arrojo. Queequeg acreditava firmemente em lubrificar o seu bote, e, certa manhã, não muito tempo depois que o navio alemão Jungfrau tinha desaparecido, esmerou-se mais do que nunca nessa tarefa; agachou-se sob o casco, que estava dependurado de lado, e esfregou a gordura como se com a sua diligência pudesse fazer crescer cabelo na quilha calva da embarcação. Parecia trabalhar em obediência a um pressentimento particular. Que não ficou sem ser justificado pelos fatos.
Quase ao meio-dia avistaram-se baleias; mas, assim que o navio velejou na sua direção, elas se viraram e fugiram precipitadamente; uma fuga desordenada, como os barcos de Cleópatra em Áctio.
Não obstante, os botes prosseguiram, com Stubb à frente dos outros. Com muito esforço, Tashtego conseguiu por fim cravar uma lança; mas a baleia atingida, sem nem mergulhar, continuou sua fuga horizontal, com acrescentada presteza. Tamanha tensão intermitente no arpão cravado, cedo ou tarde, terminaria por extraí-lo. Tornava-se imperativo alancear a baleia fugidia, ou conformar-se em perdê-la. Mas puxar o bote até seu flanco parecia impossível, pois ela nadava depressa e com fúria. O que restava então?
De todos os maravilhosos expedientes e destrezas, prestidigitações e inúmeras outras sutilezas a que o baleeiro veterano amiúde recorre, nada impressiona mais do que a bela manobra com a lança, o chamado alancear. Espada pequena ou espada grande, com todos os seus floreios, não se comparam ao alancear. Faz-se necessário apenas com uma baleia que insiste em fugir; a sua característica grandiosa é a distância estupenda à qual a lança comprida é atirada com precisão, de um bote que balança e sacode, avançando rapidamente. Tomando-se o aço e a madeira em conjunto, a lança mede dez ou doze pés de comprimento; o cabo é mais leve do que o do arpão, e também o seu material é mais leve: pinho. Tem uma pequena corda chamada calabrote, de considerável extensão, com a qual pode ser puxada de volta à mão depois do arremesso.
Mas, antes de prosseguir, é importante dizer aqui que, mesmo que o arpão possa ser lançado do mesmo modo que a lança, isso raras vezes é feito; e, quando feito, o seu êxito é menos frequente, por causa do peso maior e do comprimento menor do arpão em relação à lança, o que, de fato, se constituiu numa desvantagem séria. Portanto, de uma forma geral, deve-se primeiro estar preso à baleia, antes de alancear.
Olhe para Stubb agora: um homem que devido a sua calma e equanimidade deliberada e bem-humorada, nas emergências mais terríveis, tinha as qualificações especiais para sobressair ao alancear. Olhe para ele: está de pé na proa oscilante do bote que corre; envolta numa espuma lanosa, a baleia rebocadora está quarenta pés à frente. Empunhando a lança comprida com leveza, olhando duas ou três vezes para a sua extensão, para ver se está bem reta, assobiando, Stubb pega o rolo do calabrote com uma mão, para garantir que a ponta livre está segura, e deixa o resto solto. Segurando então a lança comprida bem à frente da cintura, ele mira a baleia; quando, apontando para a baleia, ele abaixa com firmeza a extremidade traseira da lança em sua mão, com isso levanta a ponta até que a arma fica bem assentada na palma da mão, quinze pés no ar. Faz lembrar um malabarista equilibrando um cajado no seu queixo. No momento seguinte, com um impulso rápido e indescritível, o aço brilhante, fazendo um arco esplêndido no alto, transpõe a distância espumante, e trepida no ponto vital da baleia. Em lugar de água gasosa, ela jorra sangue vermelho.
Isso lhe arrancou o batoque!”, gritou Stubb. “É o 4 de Julho imortal; todas as fontes têm que jorrar vinho hoje! Quisera que fosse o uísque de Orleans, ou um velho Ohio, ou o indescritível velho Monongahela! Então, Tashtego, meu rapaz, por mim, faria com que levasses uma caneca ao jato e nós beberíamos em volta dele! É, na verdade, meus queridos, faríamos um ponche especial no canal do seu espiráculo ali, e dessa poncheira viva sorveríamos a bebida viva!”
Falando sem parar desse modo alegre, o exímio arremesso é repetido, e a rama volta ao seu dono, como um cachorro preso na coleira. A baleia agonizante começa a se agitar, a linha é afrouxada, e o arremessador, indo para trás, cruza os braços e, em silêncio, assiste à morte do monstro.
Herman Melville, in Moby Dick

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