segunda-feira, 22 de julho de 2019

A traição

O sol começava a se pôr lentamente sobre os telhados da cidade, o vento refrescava ligeiramente, e estávamos tristes. Em todo caso fomos até o self-service ver se a moça de calça de veludo ainda estava à nossa espera. Claro que não estava. Eram seis e meia. Voltamos para o carro. Sentimo-nos de repente como dois homens banidos de uma cidade estrangeira e de suas alegrias, e só nos restava procurar refúgio no território de nosso carro, que parecia gozar do privilégio da extraterritorialidade.
Vamos! — gritou Martin já dentro do carro. — Não faça essa cara de enterro, o principal está para acontecer.
Tive vontade de responder que só dispúnhamos de uma hora para o principal, por causa de Georgina e de seu jogo de cartas, mas preferi me calar.
Aliás — acrescentou Martin —, o dia foi bom. Cerco da garota de Puzdrany, abordagem da moça de calça de veludo; tudo está preparado para nós nesta cidade, basta que voltemos uma outra vez.
Eu nada respondi. É, o cerco e a abordagem tinham sido perfeitamente bem-sucedidos. Tudo estava em ordem. Mas tive de repente a impressão de que Martin não conseguira nada de sério neste último ano, fora os cercos e abordagens.
Fiquei olhando para ele. Seus olhos brilhavam como de costume com sua luz eternamente ávida; naquele momento senti como lhe queria bem, como eu admirava a bandeira atrás da qual ele desfilou toda a vida: a bandeira da eterna busca de mulher.
O tempo passava e Martin disse: — São sete horas.
Estacionamos o carro a uns dez metros do portão do hospital, para que eu pudesse observar a entrada pelo retrovisor.
Continuava pensando naquela bandeira. Pensei que o alvo desta procura, à medida que passam os anos, é muito menos a mulher e cada vez mais a procura em si. Com a condição de que se trate de uma busca antecipadamente inútil, podemos a cada dia perseguir um número infinito de mulheres e dessa maneira transformar a caça numa caça absoluta. É, Martin se colocava na situação da caça absoluta.
Estávamos esperando havia cinco minutos. As moças não apareciam.
Isso não me inquietava absolutamente. Que elas viessem ou não, não tinha a menor importância. Pois se viessem, poderíamos nós, em uma hora, levá-las a um chalé distante, conquistar-lhes a confiança, deitar com elas, pedir licença às oito horas e depois ir embora? Não, a partir do momento em que Martin tinha decidido que tudo deveria terminar às oito, havia reduzido nossa aventura a um jogo ilusório.
Estávamos esperando havia dez minutos. Ninguém aparecia na entrada do hospital.
Martin indignava-se e quase gritou:
Vou dar mais cinco minutos, não espero mais do que isso.
Martin não é mais jovem, pensava eu. Ama muito fielmente sua mulher. Na verdade, leva a vida conjugal mais bem-comportada que existe. Esta é a realidade. E acima dessa realidade, a nível de uma inocente e comovente ilusão, a juventude de Martin continua: juventude inquieta, turbulenta e pródiga, reduzida a um simples jogo que não chega a atravessar os limites do ringue para alcançar a vida e concretizar-se na realidade. E como Martin é o cavaleiro cego da Necessidade, dá a essas aventuras a inocência do Jogo, sem ao menos se dar conta; continua a colocar nelas todo o ardor de sua alma.
Bem, pensava eu, Martin é prisioneiro de sua ilusão, mas e eu? E eu? Por que lhe faço companhia neste jogo ridículo? Eu, que sei que tudo isto é um engano? Não seria mais ridículo ainda do que Martin? Por que fingir esperar por uma aventura amorosa quando sei muito bem que o máximo que pode acontecer é perder uma hora, estragada antecipadamente, com duas mulheres desconhecidas e indiferentes?
Foi aí que vi pelo retrovisor as duas mulheres atravessarem o portão do hospital. Mesmo a essa distância podia se notar o efeito do pó-de-arroz e do batom em seus rostos; estavam vestidas com uma elegância exagerada e o atraso estava certamente ligado a isto. Olharam em torno e se dirigiram para nosso carro.
Deixa para lá, Martin — disse eu, fingindo não ver as duas moças. — Já se passaram quinze minutos. Vamos embora. — E pisei no acelerador.
Milan Kundera, in Risíveis amores

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