sexta-feira, 14 de junho de 2019

O sentido do derradeiro

Sei falar apenas de alegrias e tristezas derradeiras. Adoro somente o que se revela sem reserva, sem compromisso ou reticência. Acaso podemos encontrar isto fora das tensões e convulsões supremas, da loucura do fim, da embriaguez e excitação dos últimos momentos? Tudo isto não é derradeiro? O que é então a ansiedade do nada senão a alegria perversa das últimas tristezas, o amor exaltado da eternidade do vazio e do provisório da existência? Esta existência seria para nós somente um exilo e o vazio uma pátria?
Devo combater-me, voltar-me contra o meu destino, destruir todos os obstáculos à minha transfiguração. Somente deve subsistir meu desejo extremo de trevas e de luz. Que cada um dos meus passos seja um triunfo ou um colapso, um surto ou um fracasso. Que a vida cresça e morra em mim numa alternância relampejante. Que nada do cálculo mesquinho nem da visão racional das existências ordinárias venha comprometer as volúpias e os suplícios do meu caos, as trágicas delícias das minhas alegrias e desesperos derradeiros.
Sobreviver às tensões orgânicas e aos estados de alma dos confins, eis um signo de imbecilidade - não de resistência. Para quê serve um retorno à insipidez da existência? Não é somente após a experiência do nada que a sobrevida aparece-me como um non-sense, mas também após o paroxismo da volúpia. Eu jamais entenderei por que ninguém se suicida em pleno orgasmo ou por que a sobrevida não lhe parece insípida e vulgar. Este frisson tão intenso, ainda que bastante breve, deveria consumir nosso ser numa fração de segundo. Ou ainda, uma vez que ele não nos mata, por que nós mesmos não nos matamos? Existem tantas formas de morrer... Ninguém teve, entretanto, coragem bastante - ou originalidade - para escolher um fim que, sem ser menos radical do que os outros, teria a vantagem de nos lançar no nada em pleno regozijo. Por que evitar tais vias? Uma mera fagulha de assustadora lucidez seria o suficiente, no auge do inevitável desmaio, para que a morte, nestes momentos, não aparecesse mais como ilusão.
Se os homens chegassem um dia a não mais suportar a monotonia ou a vulgaridade da existência, toda experiência extrema tornar-se-ia um motivo para o suicídio. A impossibilidade de sobreviver a uma exaltação excepcional esvaziará a existência. Ninguém mais surpreender-se-á que se possa questionar sobre a possibilidade de continuar ou não a viver após ter escutado certas sinfonias ou contemplado uma paisagem única.
A tragédia do homem, animal exilado na existência, detém-se no fato de que ele não pode se satisfazer com os dados e valores da vida. Para o animal, a vida é tudo; para o homem, ela é um ponto de interrogação. Ponto de interrogação definitivo, pois o homem nunca recebeu (nem receberá) uma resposta para as suas perguntas. Não somente a vida não tem qualquer sentido, mas ela não pode ter um.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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