Chegamos
ao hospital de B... com excelente humor. Eram mais ou menos três e
meia. Pedimos que chamassem nossa enfermeira pelo telefone da cabine
do porteiro. Ela desceu pouco depois, de touca de enfermeira e blusa
branca, e notei certo rubor em sua face, o que me pareceu um bom
prenuncio.
Martin
tomou rapidamente a palavra e a moça nos anunciou que seu trabalho
terminaria às sete horas. Pediu-nos que a esperássemos a essa hora
em frente ao hospital.
— Você
já falou com sua colega? — perguntou Martin, e a moça confirmou.
— Seremos
duas.
— Perfeito
— disse Martin —, mas não podemos colocar meu amigo diante de um
fato consumado.
— Bem
— disse a moça —, podemos ir vê-la. Ela está na sala da
cirurgia.
Atravessamos
devagar o pátio do hospital e perguntei timidamente: — Você ainda
está com meu livro?
A
enfermeira fez que sim com a cabeça. Estava com ele e ali mesmo no
hospital. Senti-me como que aliviado de um peso, e insisti em que ela
fosse primeiro buscar o livro. É claro que Martin achou fora de
propósito que eu preferisse abertamente um livro a uma mulher que me
seria apresentada, mas foi mais forte do que eu.
Devo
confessar que tinha sofrido muito durante esses poucos dias em que o
livro sobre a cultura etrusca ficara fora do alcance dos meus olhos.
Foi preciso um grande esforço para que suportasse isso sem reclamar,
mas não queria de maneira alguma estragar o Jogo, esse valor que
aprendi a respeitar desde o tempo de minha juventude e ao qual sei
subordinar todos os meus interesses e desejos pessoais.
Enquanto
reencontrava meu livro com emoção, Martin continuava a conversa com
a enfermeira. Tinha ido tão longe que a moça prometera arranjar
emprestado para a noite o chalé de um colega, perto do lago Hoter.
Não podíamos estar os três mais satisfeitos e seguimos para o
pequeno prédio verde onde ficava o serviço de cirurgia.
Bem
nesse momento, uma enfermeira acompanhada de um médico atravessava o
pátio no sentido inverso. O médico era um homem grande, magro e
ridículo, com orelhas de abano, o que me fascinava. Nossa enfermeira
me cutucou com o cotovelo e comecei a rir. Quando o casal se afastou,
Martin virou-se para mim: — Você tem sorte, meu amigo, você não
merece uma garota tão bonita!
Não
ousei responder que só tinha olhado o sujeito grande e magro e
formulei um elogio. No entanto, não era absolutamente uma prova de
hipocrisia de minha parte. Confio mais no gosto de Martin do que no
meu, pois sei que o gosto dele se baseia num interesse muito maior do
que o meu. Amo em todas as coisas, inclusive no amor, a ordem e a
objetividade, e admiro muito mais um conhecedor do que um diletante.
Certas
pessoas julgarão talvez hipócrita, da parte do homem divorciado que
sou, ao contar justamente uma de suas aventuras (seguramente nada
excepcionais) qualificar-se de diletante. E, no entanto, sou um
diletante. Podemos dizer que represento aquilo que Martin
vive. Algumas vezes me parece que minha vida de polígamo não
passa de uma imitação dos outros homens, mas não nego sentir certo
prazer com essa imitação. Não posso deixar de reconhecer que
existe nesse prazer qualquer coisa de inteiramente livre, gratuito,
revogável, que caracteriza uma visita a uma galeria de arte, ou a
descoberta de paisagens exóticas e escapa a qualquer imperativo
categórico comparável ao que pressinto por trás da vida erótica
de Martin. O que me impressiona em Martin é exatamente esse
imperativo categórico. Quando ele pronuncia um julgamento sobre uma
mulher, parece-me que a Natureza em pessoa, a própria Necessidade se
exprimem por sua boca.
Milan
Kundera, in Risíveis Amores
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