domingo, 30 de junho de 2019

O elogio da amizade

Voltamos ao jardim público para examinar as duplas de moças sentadas nos bancos, mas, quando uma era bonita, o que acontecia algumas vezes, a vizinha não era.
É uma estranha lei da natureza — disse eu a Martin. — As mulheres feias esperam se aproveitar do brilho de suas amigas mais bonitas, e estas esperam brilhar com maior intensidade em contraste com a feiura; para nós isso significa que nossa amizade é submetida a constantes provas. E fico muito orgulhoso por nunca deixarmos a sorte ou o espírito de competição decidir por nós. Entre nós a escolha é sempre uma questão de cortesia. Cada um oferece ao outro a moça mais bonita, e nisso parecemos dois senhores antiquados que não conseguem entrar numa sala, por não poderem admitir que um passe na frente do outro.
É — respondeu Martin comovido e enternecido. — Você é um amigo de verdade. Vamos sentar um pouco. Estou com dor nas pernas.
E fomos nos sentar, o corpo gostosamente inclinado para trás, com o sol batendo bem na cara, deixando, por alguns minutos, sem preocupação, o mundo seguir seu curso ao nosso redor.
Milan Kundera, in Risíveis Amores

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