sexta-feira, 14 de junho de 2019

A trapaça

Fomos para a grande aleia do jardim público onde passeiam os moradores da cidade. Examinamos muitas duplas de moças que passavam por nós ou estavam sentadas nos bancos, mas elas não nos agradaram muito.
Apesar disso, Martin abordou duas com as quais entabulou conversa, marcando até encontro, mas eu sabia que não era para valer. É aquilo que chamo abordagem de treinamento; exercício a que ele se dedica de vez em quando para não perder a prática.
Contrariados, saímos do jardim público e fomos para as ruas, mergulhadas no vazio e no tédio de pequena cidade provinciana.
Venha beber alguma coisa — disse a Martin. — Estou com sede.
Encontramos um prédio em cuja fachada estava escrito: “Café”. Entramos, mas havia apenas um self-service; a sala era azulejada, fria e pouco acolhedora; fomos até o balcão, onde havia uma senhora desagradável, para comprar um refrigerante, que em seguida levamos para uma mesa manchada de molho que deveria nos incitar a sair dali o mais depressa possível.
Não ligue — disse Martin —, a feiura tem em nosso mundo uma função positiva. Ninguém quer perder seu tempo; assim que chegamos a um lugar, temos pressa de ir embora: isso dá à vida o ritmo desejado. Mas não vamos nos deixar envolver. Podemos conversar uma porção de coisas protegidos pela feiura tranquila deste café.
Tomou uma soda e me perguntou: — Você já abordou sua estudante de medicina?
Claro que sim — respondi.
E como é ela? Descreva-a direito.
Descrevi a estudante de medicina, o que não me deu trabalho, se bem que a estudante de medicina não existisse. É. Isso com certeza me deixa mal, mas é assim. Eu a inventei.
Podem acreditar na minha palavra: não agi por motivos escusos, para brilhar diante de Martin ou para iludi-lo. Inventei essa estudante de medicina pela simples razão de que não podia mais suportar a insistência de Martin.
Martin é extremamente exigente no que diz respeito à minha atividade. Está convencido de que a cada dia encontro uma mulher nova. Ele me vê diferente do que sou e se lhe dissesse francamente que durante uma semana inteira não possuí novas mulheres, nem mesmo me aproximei delas, ele me tomaria por hipócrita.
Eu me vi, portanto, constrangido a contar-lhe alguns dias antes que tinha feito um cerco a uma estudante de medicina. Ele pareceu satisfeito e me estimulou a passar à abordagem. Naquele dia certificou-se dos meus progressos.
Ela é do tipo de quem?
É do tipo de...? Fechou os olhos, procurando na penumbra um termo de comparação... Depois lembrou-se de uma amiga comum: — É do tipo de Sílvia?
É muito melhor — respondi.
Martin espantou-se:
Você está brincando...
É do tipo da sua Georgina.
Sua própria mulher é para Martin o critério supremo. Martin ficou muito satisfeito com meu relato e se entregou ao devaneio.
Milan Kundera, in Risíveis Amores

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