“Cultivei
por muito tempo uma convicção, a de que a maior aventura humana é
dizer o que se pensa. Meu bisavô, vigilante, puxava sempre da
algibeira esta moeda antiga: ‘A diplomacia é a ciência dos
sábios’. Era um ancião que usava botinas de pelica, camisa de
tricoline em fio de Escócia, e gravata escolhida a dedo, em que uma
ponta de cor volúvel marcava a austeridade da casemira inglesa. Não
dispensava o colete, a corrente do relógio de bolso desenhando no
peito escuro um brilhante e enorme anzol de ouro. E o jasmim, ah, o
jasmim! Um botão branco de aroma oriental sempre bem-comportado na
casa da lapela. E era antes um ritual de elegância quando ajustava
os óculos sobre o nariz: a mão quase em concha subia sem pressa até
prender um dos aros entre o polegar e o indicador, retendo
demoradamente os dedos no metal enquanto testava o foco das lentes.
Neste exato momento, seu olhar ia longe, muito longe, como se
vislumbrasse meu futuro distante. Talvez fosse essa antevisão que
fizesse surgir o esgar fértil no canto dos lábios, era como se ele
tivesse acabado de plantar ali a semente provável de um grande
regozijo. Apesar da postura solene, o bisavô, quem diria?, era
chegado numa gíria, daí que me catava pela cabeça e soprava no meu
ouvido: ‘O negócio é fazer média’, e enfatizava a palavra
negócio. Só mesmo o bisavô, tão vetusto, tão novíssimo, era
precursor: ‘Nada de porraloquice. Me promete’.”
Raduan
Nassar, in Menina a caminho
Nenhum comentário:
Postar um comentário